Segue belo trecho do magnífico poema em prosa “A voz do Oeste” (1934), de Plínio Salgado, em que este descreve a Vila de São Paulo do Campo de Piratininga. Um dos principais romances a propósito da Epopeia Bandeirante, “A Voz do Oeste” inspirou Juscelino Kubitschek a edificar Brasília, segundo este escreveu certa vez a Plínio Salgado, a quem muito admirava, e, como notou Otacílio Colares, tal poema histórico em prosa completa os grandes romances históricos e indianistas de José de Alencar e é, ainda, a integração, pela revivescência das Bandeiras, de todo o Oeste da Terra de Santa Cruz.
“Erma e silenciosa, Piratininga parecia adormecida entre os marmeleiros e olivais. O gado esparso pelos campos, rebanhos de ovelhas repontando pelos topes dos morros coroados de araucárias verde-negras; longes fumos de casas espalhadas nas colinas. Todo o escasso movimento circunscrevia-se aos círculos convizinhos, nas quintas de Antonio Proença, de Domingos Luís, o carvoeiros, dos lados do Ipiranga, na fazenda de Afonso Sardinha, o rico, dos lados de Pinheiros.
“Erma e silenciosa, Piratininga parecia adormecida entre os marmeleiros e olivais. O gado esparso pelos campos, rebanhos de ovelhas repontando pelos topes dos morros coroados de araucárias verde-negras; longes fumos de casas espalhadas nas colinas. Todo o escasso movimento circunscrevia-se aos círculos convizinhos, nas quintas de Antonio Proença, de Domingos Luís, o carvoeiros, dos lados do Ipiranga, na fazenda de Afonso Sardinha, o rico, dos lados de Pinheiros.
Pequenos núcleos habitados pontilhavam a planície: a Ponte Grande, o Piquiri, Samabatiba, Ambuaçava, o povoado de S. Miguel. Casas de sapé encolhiam-se às margens do Tamanduateí, até a ermida de Nossa Senhora da Luz.
A vila conservava-se no seu grande silêncio, quebrado pelos grunhidos de suínos que esbucaravam as três ruas: a de Santo Antônio, a de Martim Afonso, e o Caminho do Mar [1]. A frontaria da Matriz em concertos olhava taciturna para os oito sobrados do Carvoeiro, quietos e desertos.
Não se via viva alma. As matronas e donzelas se ocupavam, com suas negras e índias, nos misteres caseiros, a torrar farinha e a apurar o ponto das marmeladas famosas de Piratininga, tão procuradas em Buenos Aires e Lisboa.
Um grande céu azul-claro cobria o panorama.
No claustro dos Jesuítas, junto ao poço d’água, num banco de pedra, na quietude do sol a pino, meditava, quase sempre, um padre da Companhia. Fechando o Breviário, seus olhos davam com os canteiros de cravinas e lírios e repousavam nas latadas de rosas de Alexandria, que tinham feito o encanto de Fernão Cardim e maravilhado D. Francisco de Sousa.
Longe, uma bigorna cantava. Era Clemente Alves, o ferreiro, forjando na sua forja...” [Plínio SALGADO, “A Voz do Oeste”, 5ª edição (na verdade 6ª), São Paulo, Editora Voz do Oeste, Brasília, INL (Instituto Nacional do Livro), 1978, pp. 120-121)
Nota:
[1] As actuais ruas de S. Bento, Direita e do Carmo.
Imagem: Câmara da Vila de São Paulo do Campo de Piratininga em 1628, em quadro de José Wasth Rodrigues.
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