Homilia na Solenidade de Santa Joana Princesa, a 12 de Maio de 2015 na Sé de Aveiro
1. Jesus fala às multidões em parábolas: o tesouro e a pérola (Mt 13, 44-46)
No discurso do capítulo 10 do Evangelho de S. Mateus, Jesus envia os
doze em missão e diz-lhes como se devem comportar. A pergunta que os
apóstolos fazem é a mesma que a Igreja continua a fazer hoje: qual é a
mensagem que devemos anunciar?
Jesus responde a esta pergunta começando por explicar a natureza do
reino, por meio de parábolas, todas elas centradas no tema do Reino: a
sua natureza, a situação da Igreja em todos os tempos.
A pretensão de Jesus não era definir o Reino, mas convidar a
conquistá-lo, ainda que para o conseguirmos tenhamos de sacrificar tudo o
que temos.
Embora pequeno na aparência, o Reino é um autêntico tesouro e uma pérola
de grande valor, pelo qual vale a pena lutar e vender tudo para o
conseguir. O Reino afigura-se como o grande objecto de esperança. Aqueles
homens que vendem tudo para conseguir o tesouro ou a pérola que
encontraram, aparentemente ficam mais pobres, mas na realidade
conseguiram o objectivo maior da sua vida. Não se insiste nas renúncias e
nos sacrifícios que isso supõe, mas na grande e contagiante alegria da
conquista.
Com esta esperança, temos de apostar tudo para conseguir o Reino. Em
primeiro lugar, é necessária uma atitude de procura: não ficar numa
apatia indolente, mas procurar o que é fundamental na vida. Para Cristo,
o fundamental é o Reino que nos deu: realidade que deve polarizar toda a
existência, e que é capaz de mudar radicalmente a orientação de toda
uma vida. Isto supõe uma opção prévia a favor de algo que se encontrou e
pelo qual vale a pena dar a vida. Todavia, não basta encontrar o
tesouro, mas sim valorizá-lo como tesouro. Aquele que compreende a
mensagem do Reino compromete-se de tal maneira que é considerado, pelos
outros, como louco.
O reino de Deus é muito diferente dos valores que imperam no mundo, mas
ao longo da história, muitos foram os que deram a sua vida para
conseguir este tesouro. Sempre houve e há relatos de apaixonados
aventureiros à procura de tesouros perdidos, e essa procura determina e é
determinante para o sentido das suas vidas.
À primeira vista, talvez pareça que o camponês foi louco ao vender tudo
para comprar o campo, tal como o comerciante que vendeu todos os bens
para comprar uma só pérola, mas o que triunfa é o que sabe quando convém
arriscar, contrair dívidas, que sabe discernir. O importante é estar
plenamente seguro do valor daquilo que se compra, das opções que se
fazem e que se convertem em verdadeiros tesouros.
2. Santa Joana Princesa e o seguimento de Jesus
Este ano cinquentenário da declaração de Santa Joana Princesa coincide, a
nível da Igreja universal, com a celebração dos cinquenta anos do
encerramento do Concílio Vaticano II, a proclamação do Jubileu
Extraordinário da Misericórdia, pelo Papa Francisco, e com o ano da vida
consagrada – três acontecimentos profundamente ligados à vida da nossa
Padroeira.
A santidade, à qual todos somos chamados, interpela a vida cristã,
porque ela é um reflexo da beleza de Deus no mundo. Pela fé, «o homem
entrega-se total e livremente a Deus» (DV 5) e, por ela, o crente
procura conhecer e fazer a vontade de Deus, revestir-se do seu amor.
Unida à virtude teologal da fé está a virtude cardeal da fortaleza – a
que levará Santa Joana a responder ao irmão, o rei D. João II, quando
lhe pede que abandone a vida religiosa, que «fossem todos muito certos
que isto que, com a graça e a ajuda divinal, começado tinha, por nenhuma
coisa nem embargo o não havia de deixar» e, ao bispo de Évora, que
igualmente insiste em que abandone o mosteiro de Jesus – o lugar onde
tinha encontrado o seu tesouro –, ela responde com tal firmeza, que nos
deixa admirados pela força das suas convicções: «sabei que a causa é de
Deus, que não se sujeita a poderes humanos; e, pela mesma razão, não
haverá nenhum na terra que me tire o prossegui-la; e, se Ele for servido
que me custe a vida tal demanda, isso terei por ventura, por reino, por
império».
A esperança nasce da fé e protege contra o desânimo, sustenta nas
dificuldades e dilata o coração na expectativa da bem-aventurança
eterna. O ânimo que advém da esperança preserva do egoísmo e impele a um
“itinerário” novo, à felicidade da caridade.
A vida de Santa Joana Princesa reporta-nos para algo de parecido com
esta procura da pérola pela qual vale a pena vender tudo quanto se
possui para a adquirir. Na viagem do mosteiro de Odivelas para Aveiro,
procuram dissuadi-la de tal propósito por lhes parecer aquele lugar «mui
pequeno e desprezível, e em edifícios pobre e pouco sumptuosos para tal
princesa haver de entrar nem estar um só dia». Mas ela, «não se
turvando com o que diziam os que queriam embargar a sua tensão, tanto
mais se alegrava quanto via que as coisas que alegavam para a turvarem,
eram conformes à humildade d’Aquele que mais amava e desejava seguir e
servir».
A caridade é a primeira das virtudes teologais: “Agora permanecem estas
três coisas: a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a
caridade” (1 Cor 13, 13). Jesus faz dela o mandamento novo, a plenitude
da lei. Santa Joana, no seu testamento, não esqueceu os mais pobres, a
começar pelas pessoas que a tinham acompanhado no mosteiro de Jesus.
Os santos são aqueles que, com a sua vida, fizeram santos à sua volta.
Este é o critério fundamental de uma vida de santidade. A nossa
Padroeira, meditando na paixão de Cristo, via nela a máxima expressão do
amor de Deus por nós. A misericórdia é o «caminho que une Deus e o
homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para
sempre, apesar da limitação do nosso pecado» (Misericordiae Vultus 2).
No leito de morte, Santa Joana irá afirmar isto mesmo: «Eu conheço que
nunca em mim houve obras senão de muitas culpas e dignas de penas e
tormentos. Porém, Senhor, a Ti peço que ponhas a tua morte e paixão
entre o teu julgamento e a minha alma».
3. Santa Joana Princesa e a nossa cidade e diocese de Aveiro
A intensificação do Processo canónico de Santa Joana Princesa, em ordem à
sua canonização, é ocasião propícia para aprofundar a sua vida e obra:
as razões que a levaram a ingressar no Mosteiro de Jesus, o amor à
paixão de Cristo como expressão máxima do amor de Deus, o testemunho de
uma vida simples e humilde e o amor aos mais pobres da cidade de Aveiro.
A identidade de uma Diocese e de uma comunidade também se constrói com o
reconhecimento de causas que mereçam todo o nosso esforço e a nossa
própria vida. Dar a conhecer a vida de Santa Joana Princesa na sua
ligação a Aveiro é um desafio a também nós vivermos os ideais a que ela
consagrou toda a sua vida – o amor a Deus, no Convento de Jesus, e o
amor ao próximo, nos habitantes de Aveiro.
Senhor, Pai santo,
Fonte de toda a santidade,
Nós vos louvamos e agradecemos,
Porque enriquecestes a vossa Igreja
Com a vida da bem-aventurada
Joana Princesa, que testemunhou
Simplicidade, humildade,
Devoção à paixão de Cristo
e amor ao próximo.
Fazei que nós, vossos servos,
De coração purificado,
Imitemos as suas virtudes
e alcancemos o reino dos céus.
Por sua intercessão,
Concedei-nos as graças
Que Vos pedimos,
Incluindo a da sua canonização.
Por nosso Senhor Jesus Cristo,
Vosso Filho, que é Deus convosco
Na unidade do Espírito Santo.
Ámen.
Fonte de toda a santidade,
Nós vos louvamos e agradecemos,
Porque enriquecestes a vossa Igreja
Com a vida da bem-aventurada
Joana Princesa, que testemunhou
Simplicidade, humildade,
Devoção à paixão de Cristo
e amor ao próximo.
Fazei que nós, vossos servos,
De coração purificado,
Imitemos as suas virtudes
e alcancemos o reino dos céus.
Por sua intercessão,
Concedei-nos as graças
Que Vos pedimos,
Incluindo a da sua canonização.
Por nosso Senhor Jesus Cristo,
Vosso Filho, que é Deus convosco
Na unidade do Espírito Santo.
Ámen.
Sé, 12 de Maio de 2015
† António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro
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