Por pensar que continua actualizada a mensagem deste artigo que publiquei em 2010, aqui o reproduzo no dia do 41.º aniversário, da revolução dos cravos (25 de Abril de 2015).
Na
sessão solene comemorativa dos 36 anos da Revolução do 25 de Abril, o
Presidente da República, Prof. Cavaco Silva alertou para existência de
desigualdades sociais, destacando a presença de situações de miséria ao
lado de ''casos de riqueza imerecida que nos chocam''. "A sociedade
portuguesa é hoje mais justa do que aquela que existia há 36 anos. No
entanto, persistem desigualdades sociais e, sobretudo, situações de
pobreza de exclusão que são indignas da memória dos que fizeram a
revolução de Abril". Lembrou ainda que o 25 de Abril foi feito em "nome
da liberdade", e de uma sociedade mais justa e solidária, reconhecendo
que é nessas áreas que "porventura", o balanço destas décadas de
democracia se mostra "menos conseguida".
Concordamos plenamente com o Chefe de
Estado, ''a república de Abril'' não foi conseguida, pois a injustiça
social dominante cria sentimentos de revolta ao povo português,
''sobretudo, quando lhe está associada a ideia de que não há justiça
igual para todos'' Após ter focado os males que afligem o nosso país,
apontou aquelas que devem ser as prioridades de Portugal para sair da
crise: o mar e as indústrias criativas. ''Que justificação pode existir
para que um país que dispõe de tão formidável recurso natural, como é o
mar, não o explore em todas as suas vertentes, como o fazem os outros
países costeiros da Europa?'', "Poderemos ser uma porta por onde a
Europa se abre ao Atlântico, se soubermos aproveitar as potencialidades
do mar", conclui Cavaco Silva, considerando que há que ponderar a
relação com o mar e apostar mais no sector dos transportes marítimos e
dos portos.
Também aqui estamos em sintonia total;
pena é que há alguns anos atrás as propostas de proeminentes
monárquicos, como Gonçalo Ribeiro Telles, sobre o Mar e os recursos
marítimos nunca tenham tido o necessário acolhimento.
Este discurso do PR agradou a vários
sectores da sociedade portuguesa e reforça a ideia que, afinal, Abril
ainda não foi alcançado.
Ao invés, a República de Abril (1974)
trouxe a corrupção e acentuou as desigualdades sociais, que se
verificavam até então e trouxe uma justiça onde os ricos saem impunes e
os pobres são condenados. Mas não está sozinha: a República de Maio
(1926) trouxe a ditadura e a República de Outubro (1910) trouxe o caos e
a intolerância religiosa, as perseguições políticas e os assassinatos.
Estranhamos por isso que a RTP, canal
público de televisão, nos tivesse brindado, no dia 25 de Abril, com um
espectáculo apresentado por Sílvia Alberto e de Júlio Isidro, de nome
pomposo ''Gala República de Abril'', comemorativo do 36º aniversário da
Revolução e que foi uma homenagem à Mulher Portuguesa.
Porque a República é representada por um
busto de mulher, porque os direitos da Mulher são uma das importantes
conquistas de Abril de 1974 (mas, pelos vistos, não das repúblicas
anteriores…), porque o papel da mulher na luta contra a ditadura e nas
conquistas de Abril é uma história ainda não contada (bem como a que se
seguiu à implantação da república em 1910), pretendiam os mentores deste
programa, estabelecer uma ligação entre os ideais republicanos e os de
Abril (vejam só o desplante…), cantando a Liberdade, a Fraternidade e a
Igualdade…
Pensarão estes senhores que a democracia
é propriedade exclusiva da esquerda ou dos republicanos? Não ignoram,
com certeza, que a mais velha democracia do mundo é a Grã-Bretanha, uma
monarquia… E que aqui já estiveram no poder os Conservadores e agora
estão os Trabalhistas…
Após tecer vários elogios ao 5 de
Outubro libertador, que tirou as mulheres da opressão, logo se adiantou a
acrescentar que ''foi preciso esperar 60 anos" para que às mulheres
fosse reconhecido o estatuto de igualdade face aos homens, ou seja, já
após a República de Abril. Então o 5 de Outubro foi libertador de quem?
Afinal a 1ª República e também a 2ª República mantiveram oprimidas as
mulheres… E mesmo a República de Abril só consagrou essa igualdade, não
em 1974 mas em 1977, mais concretamente com o Decreto-Lei n.º 496/77 de
25 de Novembro!
Neste programa aplaudiu-se a República
do 5 de Outubro (1.ª República) – visceralmente intolerante com os
sacerdotes e até com os monárquicos a quem proibiu de servir no exército
português quando o nosso país entrou na 1ª guerra mundial - e apontaram-se baterias à de
Maio (consulado de Salazar) à qual, após 48 anos de república
ditatorial, se seguiu a actual República de Abril – marcada pela
crescente corrupção e o descrédito internacional do nosso Portugal -.
Mas comparar uma revolução libertadora
como a do 25 de Abril, que restituiu as liberdades aos Portugueses e que
foi posteriormente ratificada em sufrágio, com uma pseudo-revolução de 5
de Outubro de 1910, onde a Carbonária, organização terrorista, tomou
parte activa, juntamente com um grupo de assassinos – que em 1908
mataram o rei e o príncipe herdeiro –, é, no mínimo, intelectualmente
desonesto…
Aqueles que pensam que o Abril em
Portugal é apenas dos socialistas, dos comunistas, dos de esquerda ou
dos republicanos esquecem-se dos muitos monárquicos, como Francisco Lino
Neto, Francisco Sousa Tavares, Sophia de Mello Breyner, Fernando Amado,
João Camossa, Henrique Barrilaro Ruas, Victor Quintão Caldeira, Gonçalo
Ribeiro Telles, José Luís Nunes (destacado militante e dirigente do
Partido Socialista), o próprio Francisco Sá Carneiro, e tantos outros
que lutaram por uma mudança de regime e até que alguns dos militares de
Abril eram simpatizantes do ideal monárquico.
Aliás, analisando honestamente a
questão, o 25 de Abril de 1974 - no séc. XX – devolveu aos portugueses
os direitos e as liberdades acauteladas nas várias constituições monárquicas do século XIX (de
1822, 1826 e de 1838) e especialmente na que estava em vigor à data de 5
de Outubro de 1910 como sejam a igualdade perante a lei (art. 10º CMP
de 1838, § 12º do art. 145º CC de 1826 e art. 9º CMP de 1822), a
separação de poderes (art. 35º CMP de 1838, art. 10º CC de 1826 e art.
30º CMP de 1822), a liberdade de opinião e de imprensa, “sem dependência
de censura” (art. 13º CMP de 1838, § 3º do art. 145º CC de 1826 e arts.
7º e 8º CMP de 1822), a liberdade de associação política e de reunião
(art. 14º CMP de 1838), a inviolabilidade do domicílio e da
correspondência (arts. 16º e 27º CMP de 1838, arts. 5º e 18º CMP de
1822), eleições de 3 em 3 anos ou de 4 em 4 anos ou ainda de 2 em 2
anos, para a Câmara dos Deputados (art. 53º CMP de 1838, arts. 17º e 34º
CC de 1826 e art. 41º CMP de 1822), o direito de resistência “a
qualquer ordem que, manifestamente, violar as garantias individuais”
(art. 25º CMP de 1838) e até o direito de petição que garantia a todo o
cidadão o poder de « não só apresentar aos Poderes do Estado
reclamações, queixas e petições sobre objectos de interesse público ou
particular mas também expor quaisquer infracções da Constituição, das
Leis, e requerer a efectiva responsabilidade dos infractores » (art. 15º
CMP de 1838, § 28º do art. 145º CC 1826 e arts. 16º e 17º CMP de 1822).
Consagravam ainda as Constituições
monárquicas do século XIX, em vigor em 1910 “a instrução primária e
gratuita” (art. 28º nº 1 CMP de 1838 e § 30 do art. 145º CC de 1826),
que a soberania reside na Nação, “da qual emanam todos os poderes
políticos” (art. 33º CMP de 1838 e art. 26º CMP de 1822), que “o ensino
público é livre a todos os cidadãos” (art. 29º CMP de 1838, art. 237º
CMP de 1822), que todos os cidadãos podem ser admitidos aos cargos
públicos sem mais diferença que não seja “a dos seus talentos e das suas virtudes”,
por sinal coisa rara hoje em dia, onde impera o compadrio e a filiação
partidária no acesso aos cargos públicos (art. 31º CMP de 1838, § 13º do
art. 145º CC 1826 e art. 12º CMP de 1822), que o número de ofícios
públicos “será rigorosamente restrito ao necessário” (art. 1º CMP de
1822) e que “os ministros e secretários de Estado são responsáveis pela
falta da observância das Leis, pelo abuso do poder que lhes é confiado,
por suborno, pelo que obrarem contra a liberdade, segurança e
propriedade dos cidadãos e por dissipação ou mau uso dos bens públicos” (art. 116º CMP de 1838 e art. 103º CC 1826) – tão diferente de hoje em dia…
E todos estes direitos e
liberdades nos foram retirados nas duas primeiras repúblicas e mesmo na
actual república nem sempre são cumpridos!
Afinal de que república festejamos os
100 anos? É que a de Abril tem apenas 36 anos e dela já o povo português
– à semelhança do que aconteceu no final da 1ª república e depois no
final da 2ª república – está cansado, saturado…
Por isso a rainha D. Amélia – viúva do
rei D. Carlos e mãe, infortunada, do príncipe herdeiro assassinado – foi
saudada com enormes manifestações de entusiasmo pelos portugueses
quando, em Maio de 1945, regressa a Portugal para rezar junto do marido e
dos filhos enterrados no Panteão de S. Vicente. E talvez por isso os
portugueses recebam, hoje, jubilosamente, a família real de Espanha, o
príncipe do Mónaco e acudiram, em massa, ao Mosteiro dos Jerónimos, por
ocasião do casamento do Senhor D. Duarte de Bragança.
É que todos sabem que os príncipes estão para servir (a Pátria) e os outros estão para se servir (da Pátria).
É, do mesmo modo, intelectualmente
desonesto e revelador de uma total ignorância da história portuguesa
associar a república ao socialismo e à defesa dos direitos dos
trabalhadores. Aliás os diplomas legais aprovados pelos últimos governos
socialistas provam exactamente o contrário…
Desde 1891 que o Partido Socialista em
Portugal se encontrava dividido em várias facções, situação essa
fomentada, na sua maioria, pelo Partido Republicano, que lhe moveu uma
guerra feroz, fazendo com que as várias facções nunca estivessem de
acordo.
Também é sabido que, poucos dias antes
da queda da Monarquia, desenvolviam-se em Portugal, sob o perseverante
apoio do Rei D. Manuel II, enérgicos trabalhos tendo em vista a
consubstanciação de um poderoso lobby operário com vista à melhoria das
condições gerais do trabalho – na sequência do estudo feito por um
famoso sociólogo francês que o rei, a expensas suas, chamara a Lisboa
para vir observar as condições de vida no nosso país (dos camponeses,
dos marinheiros, dos mineiros, dos trabalhadores da indústria e do
comércio) e indicar as medidas necessárias à promoção do crescimento
económico – e à entrada do partido Socialista, liderado por Alfredo
Aquiles Monteverde, para o poder. É que Teófilo Braga (presidente do 1º
governo provisório da república e 2º presidente da república portuguesa)
achava um grande erro abandonar a questão política (a mudança do
regime) pela questão social (a melhoria das condições de vida dos
portugueses).
Se os esforços do Rei D. Manuel II
tivessem sido concretizados, o nosso país podia ter sido pioneiro nesta
área, e ter, no parlamento, um ou mais representantes de um partido
operário, antes que isso acontecesse em quase todos os outros países
europeus. Mas tudo isto parou com a queda da Monarquia em Portugal…
E o partido Socialista só chegou ao
poder após Abril de 74 pois nunca conseguiu participar no Governo da 1.ª
República e no da 2.ª também não, uma vez que esta proibia os partidos
políticos.
Por isso não compreendemos o intransigente republicanismo da maioria dos actuais dirigentes do Partido Socialista.
(*) Artigo publicado no jornal «O Povo do Lima», n.º 31, II série, 1 de Maio de 2010.
Publicado por José Aníbal Marinho Gomes, em 25.04.15, no blogue "Risco Contínuo"
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