Dom Duarte comentou que o Recife é a cidade preferida dele por conta da riqueza cultural.
Foto: Divulgação Arquivo Pessoal
O que pensa o herdeiro de um hipotético trono da República de Portugal
Nas comemoração dos 126 da Lei Áurea, assinada por sua bisavó materna, a princesa Isabel (1846-1921), ele concedeu esta entrevista ao Diário
Tércio Amaral
Publicação: 11/05/2014
Tércio Amaral
Publicação: 11/05/2014
Entre os membros da Família Imperial Brasileira, a princesa Isabel ficou conhecida por entrar na história com a assinatura da Lei Áurea. Existe algum tipo de história familiar sobre a princesa que circula entre gerações?
A minha mãe contava histórias que tinha ouvido do
seu pai (o príncipe D. Pedro e Alcântara, filho mais velho da princesa
Isabel), mas não me lembro de nenhuma em particular. Lembro-me melhor do
que a minha mãe me contou sobre as viagens que fez no interior do
Brasil com o meu avô, nas quais conheceu a realidade profunda desse
extraordinário país. Tenho algumas experiências interessantes, como a de
um dia, quando um polícia de ascendência africana me estava passando
uma multa por uma infracção ao código da estrada (código de trânsito).
Quando viu o meu nome no passaporte perguntou se eu era da família da
Princesa Isabel. Perante a minha resposta positiva ele disse: 'Nunca fiz
nada para agradecer à princesa Isabel o que ela fez por mim! Não passo a
multa, mas o senhor vem comigo ao posto da polícia para eu o apresentar
ao pessoal.' Tivemos um convívio muito animado com a polícia de
Diamantina, em Minas Gerais... é muito frequente brasileiros serem
particularmente calorosos comigo quando descobrem que eu descendo da
princesa Isabel, que consideram uma verdadeira santa.
Existe algum ensinamento da princesa que é transmitido pela família?
Existe algum ensinamento da princesa que é transmitido pela família?
Tento
transmitir o seu sentido de responsabilidade perante o povo a que
pertence, particularmente perante as comunidades mais desfavorecidas e
as pessoas injustamente marginalizadas. Também uma das qualidades que a
princesa tinha era saber ser simpática e carinhosa com toda a gente.
Numa decisão inédita no mundo, um estado republicado o reconheceu como "herdeiro da coroa" em Portugal, em 2006, como Duque de Bragança. O cargo exige responsabilidades?
Numa decisão inédita no mundo, um estado republicado o reconheceu como "herdeiro da coroa" em Portugal, em 2006, como Duque de Bragança. O cargo exige responsabilidades?
Em várias ocasiões tenho podido
colaborar com o nosso governo. O caso que teve mais notoriedade foi a
minha acção diplomática junto do governo e dos militares indonésios que
levou a que após mais de 20 anos de ocupação de Timor português, eles
aceitassem devolver a liberdade ao povo timorense. Por esse motivo o
Parlamento timorense decidiu dar-me a sua nacionalidade. Na votação,
feita no Parlamento, esta iniciativa foi aprovada por unanimidade.
Também consegui organizar um acordo de paz entre o governo de Angola e o
Movimento que há 30 anos lutava para a independência do enclave de
Cabinda e ainda liderei transacções diplomáticas junto de monarquias
árabes e na Síria.
No caso do Timor Leste, a Fundação d. Manuel II construiu casas...
No caso do Timor Leste, a Fundação d. Manuel II construiu casas...
Durante
a ocupação indonésia visitei demoradamente Timor e tive vários
encontros com os governantes e comandos militares indonésios e mantenho
estas ligações ainda hoje. Eu colaboro com Timor através de iniciativas
da Fundação Dom Manuel II que vão desde uma indústria tipográfica
oferecida à Diocese de Baucau e que é a única do seu género em Timor até
um projecto de desenvolvimento comunitário rural que está a ser
desenvolvido agora. É para mim sempre uma alegria quando posso visitar
este tão belo e simpático país. Recomendo a todos os brasileiros que
possam, nomeadamente os que vão a Austrália ou a Bali, que aproveitem a
oportunidade para também visitar Timor. Aliás, os timorenses ficaram
muito gratos ao diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Melo pelo trabalho
que desempenhou na difícil transição para a independência. Quanto às
casas que se refere foram construídas em Portugal para alojar as
famílias aqui refugiadas que fugiram quando da invasão da Indonésia em
Timor, em 1975.
Em 1972, logo após o fim de sua carreira militar, o Sr. organizou uma lista independente de candidatos ao governo angolano. O Sr. era a favor da independência da antiga colónia portuguesa? Foi esta a causa de sua expulsão do país?
Em 1972, logo após o fim de sua carreira militar, o Sr. organizou uma lista independente de candidatos ao governo angolano. O Sr. era a favor da independência da antiga colónia portuguesa? Foi esta a causa de sua expulsão do país?
Em 1972, muita gente tinha percebido que a
política ultramarina portuguesa levava-nos para uma situação
insustentável por ser injusta para com as aspirações políticas do número
cada vez maior de africanos. No entanto, a grande maioria dos africanos
percebiam que os seus países não estavam preparados para a
independência e que os auto denominados "movimentos de libertação" eram
em grande parte instrumentos de potências estrangeiras, principalmente
da União Soviética e dos Estados Unidos da América. Por isso, um grupo
de angolanos de todas as origens étnicas preparou uma lista de
candidatos para as eleições ao Parlamento Português, no qual Angola
tinha um certo número de deputados. Este movimento tinha como objectivo
mais justiça social, maior participação política das populações locais, a
todos os níveis, e uma maior integração e igualdade política e
económica entre todas as províncias ultramarinas portuguesas.
Considerava, portanto, que a separação dos territórios, ou seja, a
independência, seria nessa época a pior solução possível. O Primeiro
Ministro português, Marcelo Caetano, queria meter Portugal na Comunidade
Económica Europeia, por isso, e por pressões Norte Americanas, tinha
planeado um golpe político no sentido de, como ele próprio disse,
"criar novos Brasis". Foi por o nosso grupo está a interferir com esta
manobra que ele me expulsou de Angola e São Tomé e Príncipe e intimidou
os elementos que viviam em Angola e em São Tomé. Hoje é, infelizmente,
muito claro que quem tinha razão éramos nós e muitos dos responsáveis de
vários governos africanos estão de acordo comigo. Só depois de mais de
30 anos de terríveis guerras cívis, com centenas de milhares de mortos,
ou mesmo milhões, é que voltou a paz e a normalidade política. Foram 30
anos perdidos para esses povos.
O título duque de Bragança não seria herdado pelos descendentes de D. Pedro I no Brasil?
O título duque de Bragança não seria herdado pelos descendentes de D. Pedro I no Brasil?
A
cidade de Bragança, que deu origem ao título, é uma cidade de
trás-os-montes e, por isso, após a divisão do Reino Unido Portugal e
Brasil, o título passou a ser usado pelos príncipes herdeiros em
Portugal.
O senhor acredita na volta da monarquia? Tanto em Portugal como no Brasil?
O senhor acredita na volta da monarquia? Tanto em Portugal como no Brasil?
Nas
monarquias europeias os estados têm políticas sociais muito mais
avançadas do que na maioria das repúblicas. O mesmo se pode dizer, por
exemplo, entre o reino do Canadá e as duas repúblicas do continente
norte-americano, ou entre os reinos da Austrália e da Nova Zelândia e as
repúblicas da área do Pacífico, entre o império Japão e as repúblicas
vizinhas, etc... Como isto não pode ser pura coincidência, conclui-se
que é influência da instituição Real que permitiu estes resultados
melhores. O mesmo se pode dizer de reinos noutra áreas do mundo, como a
Tailândia, etc... Os interesses dos poderosos grupos económicos é que
preferem os regimes republicanos que eles compram e controlam mais
facilmente e, por isso, os livros de história e a imprensa, controlada
pelos interesses económicos, são geralmente republicanas. Para uma
análise inteligente, não se pode comparar situações actuais com as de há
100 anos atrás, como por exemplo comparar a monarquia brasileira com a
actual república. As vantagens de um rei como chefe de Estado em
democracia são a sua independência política, uma influência que dá
estabilidade à vida dos países, a existência de um árbitro ou juiz
verdadeiramente livre de pressões. Quem aceitaria que no futebol o juiz
do jogo pertencesse a um dos clubes?
Porém nas repúblicas os
presidentes quase sempre pertencem a um dos partidos e, para serem
eleitos, precisam de muito dinheiro. De algum modo também se pode dizer
que o rei tem uma "formação profissional" para o cargo que vai assumir,
que raramente um candidato a presidente terá. Não posso terminar sem
salientar que o Recife é a minha cidade brasileira preferida pelo
interesse cultural de tanta gente, desde o nível dos poetas e
repentistas populares até algumas das figuras mais brilhantes da cultura
lusófona, como Gilberto Freire e o meu grande amigo Ariano Suassuna.
Sem comentários:
Enviar um comentário