Durante o Domínio Filipino da nossa
Pátria, sobretudo no de Filipe III (IV de Espanha), Portugal, na
prática, tratava-se de província espanhola, governada à distância, por
quem não demonstrava qualquer cuidado com os interesses e anseios dos
portugueses.
No início do reinado de Filipe III, então com 16 anos, em 1621,
instalou-se em Madrid a política centralista de Gaspar Filipe de Gusmán,
Conde-Duque de Olivares, plasmada no seu projecto Instrucción sobre el
gobierno de España, de 1625, apontada à obliteração da autonomia
portuguesa, abduzindo por completo o Reino de Portugal. Este documento
de intenções apontava três sentidos: 1º – Realizar uma cuidadosa
política de casamentos, para confundir e unificar os vassalos de
Portugal e de Espanha; 2º – Ir o rei Filipe IV fazer corte temporária em
Lisboa; 3º – Abandonar definitivamente a letra e o espírito dos
capítulos das Cortes de Tomar (1581), que colocava na dependência do
Governo autónomo de Portugal os portugueses admitidos nos cargos
militares e administrativos do Reino e do Ultramar (Oriente, África e
Brasil), passando estes a ser Vice-reis, Embaixadores e oficiais
palatinos de Espanha.
A Governação dos Filipes transformara-se em tirania. Como de simples
nativos se tratassem, os habitantes serviam unicamente para serem
visitados pelo cobrador de impostos. Este confisco em nada beneficiava o
País, pois o tributo não era repartido para fruir as necessidades e
premências de Portugal e o bem comum dos naturais, mas ajudavam tão só a
custear as despesas do Império espanhol.
Foi sobretudo esta política fiscal que abriu o caminho para a
Restauração. Ainda, em 1628, aconteceu o “Motim das Maçarocas”, no
Porto, revolta contra o imposto do linho fiado; depois, em Agosto de
1637, foram os protestos e a violência, que ficaram conhecidas por
“Alterações de Évora”, e que tiveram origem no aumento do imposto do
real de água e a sua generalização a todo o Reino de Portugal, assim
como o aumento do imposto da Sisa elevado para 25%. Apesar da revolta
ter sido instigada pelo Procurador e pelo Escrivão do povo – acicatados
ainda pelo imposto da meia-anata -, numa manobra para manter o anonimato
dos impulsionadores, as ordens para a marcha da insurreição surgiram
assinadas pelo “Manuelinho”, um pobre demente da cidade alentejana. As
“Alterações de Évora”, contagiariam todo o País e alastraram a Sousel,
Crato, Santarém, Tancos, Abrantes, Vila Viçosa, Porto, Viana do Castelo,
Bragança, Beira e Algarve.
Vulgarizam-se os panfletos populares contra Filipe III (IV): “Que teve
em ti Portugal? Grande mal. E de seres seu Senhor? Gram rigor. Que teve
dos castelhanos? Grandes danos.”
Desta forma, o descontentamento era transversal a toda a Sociedade
portuguesa: a Nobreza via os poucos cargos de administração que, ainda,
sobejavam no Reino de Portugal – uma vez que a Corte estava em Madrid -,
e, que outrora haviam sido dos seus antepassados, ocupados pelos
ocupantes estrangeiros. Além disso, eram obrigados a alistar-se no
exército espanhol suportando todas as despesas, e os que a sua idade já
desobrigava da prestação obrigatória do serviço militar retiraram-se
para a província, onde viviam nos seus palacetes e solares subsistindo
com o mínimo de dignidade que imponham os pergaminhos de família.
Também, a Burguesia estava desiludida e em rota de colisão coma pobreza,
pois em consequência da belicosidade castelhana com as demais nações
europeias, os territórios e navios portugueses eram atacados e
saqueados, ficando os corsários Ingleses, Franceses e Holandeses, com os
produtos originários dessas terras e que outrora comerciavam
proveitosamente. Assim, comércio e respectivo lucro haviam caído a
pique!
Entende-se que de acordo com a Lei e o Direito Consuetudinário
portugueses, Filipe, sendo um Príncipe estrangeiro, não tinha direito ao
trono português, tanto mais que havia, segundo estas leis do País um
candidato natural e legítimo Dom João II de Bragança – de notar que, por
tradição e pela importância da Casa de Bragança, os Duques têm os seus
nomes numerados tal como os Reis, mesmo quando a família ainda não era a
Família Real -, o 8.º Duque de Bragança, neto de Dona Catarina, Duquesa
de Bragança que tal como Filipe I, era neta d’ El-Rei Dom Manuel I.
Recorde-se que a Sereníssima Casa de Bragança teve a sua fundação em Dom
Afonso I, filho natural de Dom João I e de Inês Pires, uma mulher
solteira. Tendo sido legitimado pelo Rei que lhe concedeu o título de
Conde de Barcelos, Dom Afonso contraiu matrimónio com a filha de Dom
Nuno Álvares Pereira, Dona Beatriz Pereira Alvim. Mais tarde, já na
regência do seu meio-irmão Dom Pedro, foi por este concedido a Dom
Afonso, o título de Duque de Bragança.
Já em 1635, por altura do casamento de Dom Francisco de Mello, 3.º
Marquês de Ferreira, D. João II de Bragança foi recebido como um Rei a
ser, em Évora.
A insurreição que começara em Évora, em 1637, não conseguiu destituir o
Governo em Lisboa, cedendo perante ao reforço de tropas castelhanas que
vieram em seu auxílio para reprimir a revolução.
No entanto, o rastilho foi aceso e começou, então, a engrandecer a ideia da Restauração da Independência.
Em 1639, o Duque de Bragança, recém-nomeado governador de armas do reino, instalou-se em Almada onde começou a receber a visita da nobreza e fidalguia, entre os quais D. Francisco de Mello que lhe começa a incutir as ideias da restauração da independência.
Em 1639, o Duque de Bragança, recém-nomeado governador de armas do reino, instalou-se em Almada onde começou a receber a visita da nobreza e fidalguia, entre os quais D. Francisco de Mello que lhe começa a incutir as ideias da restauração da independência.
Eclode uma revolta na Catalunha, também, contra o centralismo do
Conde-Duque de Olivares. A 7 de Junho de 1640, O rei Filipe IV convoca
Dom João II de Bragança para o assistir na viagem à Catalunha e
colaborar na campanha de repressão que ia empreender. O Duque de
Bragança enjeitou a convocação de Filipe IV, no que foi seguido por
muitos nobres portugueses que receberam idêntica intimação, recusando-se
também a obedecer a Castela.
Foi, então, que, secretamente, se congregou um grupo de 40 Nobres – que
viriam a ser denominados de Conjurados. Nas suas reuniões, no Palácio
dos Almadas, propriedade do então titular, Dom Antão de Almada, 7º Conde
de Abranches, o grupo patriótico português nascido clandestinamente,
começou a analisar e engendrar a melhor forma de revolta contra o
domínio castelhano. Principiaram então a tecer uma revolta com garantia
de êxito.
A 12 de Outubro de 1640, no Palácio do Conde de Abranches, ocorre uma
reunião que além do Conde incluiu D. Miguel de Almeida – o de maior
idade -, o Monteiro-mor Francisco de Mello e seu irmão Jorge de Mello,
António Saldanha, Pedro de Mendoça Furtado e o agente do Duque de
Bragança em Lisboa, João Pinto Ribeiro, na qual é decidido que um deles
se deve encontrar com o Duque no Paço Ducal de Vila Viçosa. Esse
encontro acontece na segunda quinzena de Outubro, entre Pedro de Mendoça
Furtado e Dom João II de Bragança, e o segundo é instigado a assumir o
seu dever de defesa da autonomia portuguesa, assumindo o Ceptro e a
Coroa de Portugal. O Duque mostra-se favorável, mas reserva uma resposta
definitiva para depois de umas consultas com o Marquês de Ferreira, o
Conde de Vimioso, o secretário António Paes Viegas e a própria Duquesa
de Bragança, D. Luísa de Gusmão; ao que todos se mostram favoráveis.
Assim, Dom João II de Bragança decide apoiar incondicionalmente o
“coup”!
A 10 de Novembro, o Duque entrega a João Pinto Ribeiro duas cartas com
instruções: uma para D. Miguel de Almeida e outra para Pedro de Mendoça
Furtado, que as recebem em 21 desse mês.
Era necessário apoio do povo e também do clero, ora os novos impostos
lançados sem a autorização das Cortes empobrecia a população, e isso,
também, se repercutia nos donativos à Igreja. Assim, a restauração seria
do interesse dos Três-Estados.
Faltava escolher o dia certo. Aproximava-se o Natal do ano 1640 e a
maioria dos castelhanos partiu para Espanha. Na capital portuguesa,
ficaram a Duquesa de Mântua, a espanhola que, desde 1634, ocupava o
cargo de Vice-Rainha de Portugal, e o seu Secretário de Estado,
o português Miguel de Vasconcellos e Brito. Margarida de Sabóia,
Duquesa consorte de Mântua, era filha de Carlos Emanuel I, Duque de
Sabóia e da Infanta Catarina Micaela de Espanha o que fazia dela neta
materna de Felipe II – Felipe III de Espanha, o Rei-planeta – e prima
direita de Felipe III – IV de Espanha. Esse parentesco fazia da Duquesa
de Mântua um importante membro da família imperial dos Áustria ou
Habsburgos, e por meio de uma aliança matrimonial casou com o futuro
duque Francisco IV de Mântua e de Montferrat. Para esta nomeação na qual
exerceu as funções de vice-rei de Portugal, em dependência do rei de
Espanha, valeram-lhe as relações de parentesco real, mas, pela sua
importância, devem ser reconhecidos os esforços de Diogo Soares, do
Conselho de Portugal na capital espanhola, valido do Conde-Duque de
Olivares e parente de Miguel de Vasconcellos que, em 1635, foi nomeado
Secretário de Estado de Portugal, encarregando-se do governo do Reino.
Foi, então, agendada a revolução para o 1.º de Dezembro. Ainda houve
umas hesitações, mas a 30 de Novembro, Dom João II de Bragança confirma a
data do dia seguinte para a revolta.
No dia 1 de Dezembro do mesmo ano de 1640, eclodiu, por fim, em Lisboa a
revolta, imediatamente apoiada por muitas comunidades urbanas e
concelhos rurais de todo o país.
Os Conjurados, que além dos supracitados incluía ainda Fernão Telles de
Menezes, D. Manrique da Silva, Bernardim de Távora, entre muitos outros,
às 9h15m, invadiram o palácio da Duquesa; o sinal para o Povo, que
aguardava no Terreiro do Paço, de que a revolução tinha sido bem
sucedida, era defenestrar Miguel Vasconcellos. Tornando-se odiado pelo
povo, por, sendo português, colaborar com a representante real, Miguel
Vasconcellos seria a primeira vítima. Depois de entrarem no palácio, os
conspiradores procuraram, mas do secretário de estado nem sinal. E por
mais voltas que dessem, não encontravam Miguel de Vasconcellos. Já
tinham percorrido os salões, os gabinetes de trabalho, os aposentos do
ministro, e nada. Ora acontece que Miguel de Vasconcellos, quando se
apercebeu que não podia fugir, escondeu-se num armário e fechou-se lá
dentro, com uma arma. Mas o tamanho do armário era diminuto e o
fugitivo, ao tentar mudar de posição, remexeu-se lá dentro, o que
provocou uma restolhada de papéis e, finalmente, denunciou-se. Foi
quanto bastou para os conspiradores-patriotas rebentarem a porta e o
crivarem de balas. Depois atiraram-no pela janela fora e proclamaram
“Rei” Dom João IV, aos gritos de “Liberdade”. O corpo de Miguel de
Vasconcellos de Brito caiu no meio de uma multidão enfurecida que largou
sobre ele todo o seu ódio, cometendo verdadeiras atrocidades, sendo
deixado no local da queda para ser lambido pelos cães, símbolo da mais
pura profanação e destino merecido dos traidores da Pátria.
A Duquesa de Mântua tentou, em vão, acalmar os ânimos do povo amotinado
na Praça. Terá sido neste transe que, diante dos Conjurados, tentando
assomar à janela do Paço para pedir a lealdade do povo, D. Carlos de
Noronha, um dos líderes da sublevação, lhe terá remetido a frase: “Se
Vossa Alteza não quiser sair por aquela porta, terá que sair pela
janela…”. Temendo ser defenestrada como Miguel de Vasconcellos e Brito,
isolada e sem apoios locais, a Duquesa, foi aprisionada nos seus
aposentos. A Revolução durou um quarto de hora!
A 6 de Dezembro, D. João II, Duque de Bragança, desembarca na Casa da Índia e entra em Lisboa perante “Vivas!” de todos.
A aclamação D’El-Rei Dom João IV de Portugal ocorre a 15 de Dezembro.
Com D. Francisco de Mello, com o Estoque desembainhado, e levantado com
ambas as mãos, como competia ao Condestável, Dom João IV, é erguido e
aclamado solenemente em Lisboa, numa cerimónia que aconteceu num grande
teatro de madeira erguido e guarnecido de magníficos panejamentos,
adjacente à engalanada varanda do Paço da Ribeira, e onde jurou manter,
respeitar, e fazer cumprir os tradicionais foros, liberdades e garantias
dos Portugueses, violados pelo seu antecessor estrangeiro, diante da
Nobreza, do Clero e do Povo de Portugal.
Fontes:
. D. Francisco Manuel de Melo, “Alterações de Évora” e “Epanáfora Política”
. Oliveira Marques, “História de Portugal”, Ed. Agora, Lisboa, 1972
. Vitorino Magalhães Godinho, Ensaios II
. Panfleto Popular anónimo
. D. Francisco Manuel de Melo, “Alterações de Évora” e “Epanáfora Política”
. Oliveira Marques, “História de Portugal”, Ed. Agora, Lisboa, 1972
. Vitorino Magalhães Godinho, Ensaios II
. Panfleto Popular anónimo
* Membro da Plataforma de Cidadania Monárquica
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