Assento
feito em cortes pelos três estados dos Reinos de Portugal, da
aclamação, restituição. e juramento dos mesmos Reinos. Ao muito alto e
muito poderoso Senhor Rei Dom João IV deste nome
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“Conforme as regras de direito natural, e humano,
ainda que os Reinos transferissem nos Reis todo o seu poder, e império para os governarem, foi debaixo de uma tácita condição de o regerem, e mandarem com justiça, sem tirania, e tanto que no modo de governar usarem delas, podem os Povos privá-los dos Reinos, em sua legítima natural defesa.”
De acordo com Luís Reis Torgal “o Assento, feito
[durante as cortes de 1641] em nome dos três estados, mas que terá sido
escrito por juristas, César de Meneses, que aparece formalmente como o
redactor, talvez com a colaboração de Velasco de Gouveia, conforme já
foi sugerido, apresenta os princípios fundamentais da argumentação
legitimista [da aclamação de D. João IV]. Todas as obras que depois se
publicaram sobre o tema glosaram e teorizaram os argumentos ali
apresentados.
Antes
de iniciar a argumentação jurídico-política que procurava justificar os
direitos de D. João e a ilegitimidade de Filipe IV, o … Assento pretende,
como era lógico, fundamentar a própria legitimidade das cortes e do seu
poder deliberativo em matéria de ‘eleição’ do rei. Justifica-as então
em nome do direito político geral, tal como as teses escolásticas o
concebiam, considerando assim que, como o poder político compete
originariamente ao povo, pertence-lhe a ele escolher de novo o rei,
quando há dúvidas acerca da sucessão. Mas fundamenta-as também no
próprio direito português – se as cortes de Lamego também confirmaram
como rei D. Afonso Henriques, quando ele já o era de facto, de modo
idêntico acontecia agora com D. João IV, porque ao reino lhe assistia
esse direito.
Os três estados destes Reinos de Portugal juntos nestas Cortes1
onde representam os mesmos Reinos, e têm todo o poder, que neles há,
resolveram, que por princípio delas deviam fazer assento por escrito,
firmado por todos, como o direito de ser Rei, e Senhor deles pertencia, e
pertence, ao muito alto e muito poderoso Senhor Dom João IV deste nome,
filho do Sereníssimo Senhor Dom Teodósio2, Duque de
Bragança, e neto da Sereníssima Senhora Dona Catarina Duquesa do mesmo
estado, filha do Sr. Infante Dom Duarte, e neta do muito alto, e muito
poderoso Senhor Rei Dom Manuel.
Porquanto
depois que no primeiro dia de Dezembro do ano próximo de 640 em que
primeira vez, foi aclamado por Rei nesta Cidade de Lisboa, e em todos os
seguintes, em todo o mais Reino, e jurado, e levantado, nesta mesma
Cidade em os quinze do mesmo mês. Ajuntando-se depois nestas Cortes, os
três estados, e celebrando-se solenemente em os 28 de Janeiro de 641.
Assentaram
seria conveniente para maior perpetuidade, e solenidade de sua feliz
aclamação, e restituição ao Reino, que sendo agora juntos tornem em nome
do mesmo Reino fazer este assento por escrito, em que o reconhecem, e
obedecem, por seu Legítimo Rei, e Senhor, e lhe restituem o Reino, que
era de seu Pai, e Avô, usando nisto. do poder, que o mesmo Reino tem
para assim o fazer, determinar, e declarar de justiça.
E
seguindo também a forma, e ordem que no principio do mesmo Reino se
guardou com o Senhor Rei Dom Afonso Henriques, primeiro Rei dele. Ao
qual tendo já os Povos levantado por Rei no Campo de Ourique, quando
venceu a batalha contra os cinco Reis mouros, e tendo-lhe passado Bula
do título de Rei, o Papa Inocêncio III no ano de 1142, contudo nas
primeiras Cortes que logo subsequentemente celebrou na Cidade de Lamego
pelo fim do ano de 1143 sendo juntos nelas os três estados do Reino,
tornaram outra vez, em nome de todo ele, ao aclamar, e levantar por Rei
com assento por escrito, do que nelas se fez, para memória, e
perpetuidade de seu título.
E
pressupondo por coisa certa em direito, que ao Reino somente compete
julgar, e declarar a legítima sucessão do mesmo Reino, quando sobre ela
há dúvida entre os pretendentes, por razão do Rei último possuidor,
falecer sem descendentes, e eximir-se também de sua sujeição, e domínio
quando o Rei por seu modo de governo se fez indigno de reinar. Porquanto
este poder lhe ficou, quando os Povos a princípio transferiram o seu no
Rei, para os governarem. Nem sobre os que não reconhecem superior, há
outro algum a quem possa competir, senão aos mesmos Reinos, como provam
largamente os Doutores, que escreveram na matéria, e há muitos exemplos
nas Repúblicas do mundo, e particularmente neste Reino, como se deixa
ver das Cortes do Sr. Rei Dom Afonso Henriques, e do Sr. Rei Dom João I.
Com
este pressuposto, os fundamentos, e razões que o Reino teve para
aclamar por Rei ao Senhor Rei Dom João IV e para agora nestas Cortes o
tornar a aclamar, determinar, e declarar que o legitimo Senhorio dele
lhe pertence, e lhe devia ser restituído, posto que os Reis Católicos de
Castela estivessem em posse dele são os seguintes:
1.º
Que falecendo o Sr. Rei Dom Henrique sem filhos, nem descendentes, a
justa e legitima sucessão do Reino se deferiu à Sr.ª Duquesa de Bragança
sua sobrinha filha legitima do Sr. Infante Dom Duarte seu irmão
representando a pessoa de seu Pai, com todas as qualidades, que nele
concorriam para haver de suceder. Por este benefício da representação
ter lugar na sucessão dos Reinos (a qual se defere por direito
hereditário) e porque especialmente na sucessão deste de Portugal está
admitido por disposição, e declaração expressa feita pelo Sr. Rei Dom
João I era seu testamento, mandando nele, que o Sr. Infante Dom Duarte
seu filho primogénito, ou em seu defeito seu filho, ou neto, e qualquer
outro legitimo descendente por sua linha direita, sucedesse nele,
segundo se requeria por direito, e costume na sucessão destes Remos, e
Senhorios, que são palavras formais da cláusula do dito testamento.
Pelas quais fica sem dúvida haver de ter lugar na sucessão dele a
representação, havendo-o assim disposto o dito Senhor Rei Dom João I que
o podia dispor, e declarar. E na mesma conformidade o haver também
disposto o Sr. Rei Dom Afonso V seu neto nas Cortes, que celebrou nesta
Cidade em seis de Março de 1476 quando foi casar a Castela com a Senhora
Rainha Dona Joana. Termos em os quais os mesmos Doutores, que negaram a
representação, nestas semelhantes sucessões dos Reinos, e morgados
confessam, que se devem admitir.
E
suposta a representação, lhe não poder preferir o Católico Rei Filipe
de Castela, sobrinho também do Sr. Rei Dom Henrique, ainda que fosse
mais velho em idade, e estivesse em igual grau de parentesco; Por ser
filho de irmã fêmea a Senhora Imperatriz Dona Isabel, e sucedendo-se por
representação ficar excluído, pois representava a pessoa de sua mãe,
que lhe não podia dar mais, do que ela tinha. E pelo contrário a Senhora
Duquesa Dona Catarina, entrar representando a pessoa do Infante Dom
Duarte seu Pai, o qual se fora vivo, houvera de excluir a Imperatriz sua
irmã. E anda que concorressem á dita sucessão, sendo primos irmãos, sem
concorrer Tio, haver de ter lugar a representação por ser mais
verdadeira, e mais comum a opinião dos Doutores na matéria, que esta
sucessão por representação se admite entre os primos irmãos, sem com
eles concorrer tio, e assim o dispor o direito comum dos Romanos, posto
que o contrário fosse determinado, pelas Leis das partidas de Castela,
que neste Reino não ligam, nem se devem guardar.
E
assim deferindo-se a legitima sucessão do Reino, à Senhora Dona
Catarina, se ficou derivando dela em seu filho o Sr. Dom Teodósio, e em
seu neto o Sr. Dom João IV posto que actualmente não tivesse posse do
Reino.
2.º
Porque ainda em caso negado, que não pudesse ter lugar o beneficio da
representação, e por ele não pudesse deferir-se a sucessão do Reino à
Senhora Duquesa Dona Catarina sobrinha do Sr. Rei Dom Henrique, se lhe
deferiu pela prerrogativa de melhor linha, que é a primeira das quatro
qualidades, pelas quais se defere as sucessões dos Reinos, morgados, e
bens vinculados.
Porquanto
na mesma cláusula do testamento do Sr. Rei Dom João I acima referida,
fez o dito Senhor expressa constituição de linhas entre seus filhos para
a sucessão destes Reinos, chamando em primeiro lugar o dito Sr. Infante
Dom Duarte seu filho primogénito, e seus filhos, e netos e quaisquer
outros legítimos descendentes por linha direita, que é a que os Doutores
chamam linha do primogénito, e logo em falta desta primeira linha,
chamou a dos outros seus filhos, por sua direita ordenança, a saber.
Primeiramente a do Infante Dom Pedro (que era o filho segundo) com todos
seus filhos, e netos, e faltando esta segunda linha chamou a do Infante
Dom Henrique (seu filho terceiro) e acrescentou, que assim fosse nos
outros seus filhos pelo modo sobredito, que são também palavras formais
da mesma cláusula do testamento.
Das
quais se segue precisamente, que na sucessão destes Reinos depois da
representação tem o primeiro lugar a prerrogativa da linha para que em
quanto houver descendentes da linha do filho primogénito se não admita
pessoa alguma da linha do filho segundo génito, e da mesma maneira nos
outros filhos. Porque ainda que de direito comum haja controvérsia nos
Doutores, negando alguns as linhas mais, que a do possuidor, e
primogénito, e não admitindo que os outros filhos constituam linha,
senão quando chegaram a ocupar a sucessão. Contudo havendo expressa
disposição do testador, que chamou seus filhos e descendentes por linhas
separadas, não há Doutor algum, que as contradiga, nem pelo conseguinte
podem ter controvérsia na sucessão deste Reino, onde expressamente
estão dispostas na cláusula do dito testamento do Sr. Rei Dom João I.
Pelo
que como entre os filhos, e filhas do Sr. Rei Dom Manuel depois da
linha do filho primogénito que foi o Sr. Rei Dom João III, que se acabo
no Sr. Rei Dom Sebastião cada um dos outros filhos (deixando aqueles que
morreram na idade da infância) constituí-se sua linha, na qual para a
sucessão do Reino incluíram a si, e a seus filhos, e descendentes, e
excluíram os outros. Segue-se que extintas as linhas do Sr. Infante Dom
Fernando, e do Sr. Infante Dom Luís, que não deixou filho legítimo, e do
Sr. Cardeal Dom Afonso, e do Sr. Cardeal e Rei Dom Henrique que faleceu
sem filhos, nem descendentes, entrou a sucessão na linha do Senhor Dom
Duarte, e nela achou a Senhora Duquesa Dona Catarina sua filha, a quem
se deferiu. E não podia entrar na linha da Senhora Imperatriz Dona
Isabel, na qual estava o Rei Católico de Castela seu filho, senão depois
de estar de todo acabada, e extinta a linha do Sr. Infante Dom Duarte,
que por ser filho varão; constituiu linha superior à sua na forma da
mesma cláusula do dito testamento do Senhor Rei Dom João I, que entre os
filhos varões por sua ordem, constituiu as primeiras linhas.
3
° Porque em falta do benefício da representação, e da prerrogativa de
melhor linha, tinha a mesma Duquesa a Senhora Dona Catarina, melhor
direito na sucessão deste Reino, fundado em vocação expressa, que é a
qualidade, que vence a todas as mais nestas sucessões.
Porquanto
o mesmo Senhor Rei Dom João I na cláusula do dito seu testamento,
depois de chamar ;o Infante Dom Duarte seu filho primogénito com todos
seus filhos, netos e descendentes legítimos, chamou também os outros
filhos seguintes com seus descendentes na forma acima referida, e do
filho primogénito que lhe sucedeu no Reino, que foi o Sr. Rei Dom
Duarte, nasceu o Sr. Rei Dom Afonso V, filho seu primogénito, e nasceu o
Sr. Infante Dom Fernando seu filho segundo génito, com vocação expressa
pela cláusula do dito testamento, depois de acabada a descendência do
primogénito. E como esta se acabou no Sr. Rei Dom João II que não deixou
filho legítimo, tornou a sucessão do Reino ao filho do dito Sr. Infante
Dom Fernando seu tio, que foi o Sr. Rei Dom Manuel do qual nasceu o Sr.
Infante Dom Duarte, e dele a Sr.ª Duquesa Dona Catarina sua filha. Por
onde ficou tendo a mesma vocação, que tinha o mesmo Sr. Infante Dom
Fernando seu bisavô Pai do dito Sr. Rei Dom Manuel seu Avô. E por esta
vocação devia necessariamente ser preferida ao dito Rei Católico de
Castela, posto que fosse também descendente do mesmo Sr. Infante Dom
Fernando pelo mesmo Sr. Rei Dom Manuel, o era pela Sr.ª Imperatriz Dona
Isabel, e não podia preferir a Senhora Duquesa Dona Catarina, que tinha a
vocação expressa por filho varão o dito Sr. Infante Dom Duarte seu Pai.
4
° Porque nas ditas primeiras Cortes celebradas em Lamego pelo Sr. Rei
Dom Afonso Henriques, estava expressamente determinado que quando o Rei
falecesse sem filhos herdeiros lhe pudessem suceder seus irmãos, se os
tivesse; mas porém que os filhos destes para entrarem na herança, terão
necessidade de consentimento do Reino, e serem aprovados pelos três
Estados dele. E enquanto o não fossem, não poderiam reinar. A qual Lei
se guardou, e praticou, porque sucedendo no Reino, o Sr. Rei Dom Afonso
III por morte do Sr. Rei Dom Sancho seu irmão, que faleceu sem filhos se
tem por certo, que para o Sr. Rei Dom Dinis filho do Sr. Rei Dom Afonso
III haver de entrar a reinar por morte de seu Pai, celebrou em sua vida
Cortes em que o fez jurar por sucessor do Reino. E da mesma maneira
faltando descendentes legítimos ao Sr. Rei Dom João II posto que
declarou, em seu testamento por herdeiro, e sucessor ao Duque de Beja,
que foi o Sr. Rei Dom Manuel filho do Infante Dom Fernando, irmão
segundo do Sr. Rei Dom Afonso V. Contudo logo nas Cortes, que celebrou
em Montemor-o-Novo, foi aceite por Rei pelos três Estados do Reino, que
nelas se ajuntaram. Por onde ainda quando por falecimento do Sr. Rei Dom
Henrique sem descendentes pudesse em caso negado ter direito de suceder
o Rei Católico de Castela como sobrinho seu, não podia reinar, nem
tomar posse do Reino, como de facto tomou sem primeiro ser aceite, e
aprovado pelos três Estados juntos em Cortes, o que não foi.
E
quando menos necessitava de esperar a determinação, e sentença do mesmo
Reino junto em Cortes sobre a pretensão que tinha à sucessão dele. A
qual não esperou, e antes dela se empossou entrando com armas. Nem
deferiu ao Legado do Sumo Pontífice que assim lho encarregava da sua
parte.
Logo
por cada uma destas cabeças não teve título justo de reinar, e ficaram
ele, e seus sucessores sendo intrusos, no sentido em que o direito chama
tiranos aqueles que sem justo título ocupam o Reino, e podia, e pode
agora o mesmo Reino reintegrar-se em seu direito, aclamando, e aceitando
por Rei, o Sr. Rei Dom João IV como neto legítimo da dita Senhora
Duquesa Dona Catarina a quem competia legitimamente o direito da
sucessão dele.
5
° Porque nas mesmas primeiras Cortes de Lamego, e as Leis, que se
ordenaram sobre a herança, e sucessão do Reino, se determinou também que
a filha fêmea do Rei, que casasse com Príncipe estrangeiro, que não
fosse Português não pudesse herdar, nem suceder nele, para que assim
nunca o Reino saísse fora das mãos dos Portugueses, nem reinasse nele
pessoa que o não fosse. E nesta conformidade, deixando o Sr. Rei Dom
Fernando uma filha casada com o Rei Dom João de Castela, foi excluída da
sucessão, não somente por não ser legítimo, tendo-se por nulo o
matrimónio do dito Sr. Rei Dom Fernando, com a Senhora Rainha Dona
Leonor sua mãe, mas também por estar casada com príncipe estranho. E
assim se assentou nas Cortes, que se celebraram em Coimbra, aonde os
três estados o determinaram. E havendo o Reino por vago elegeram por Rei
ao Senhor Rei Dom João I, Mestre de Avis, e filho (posto que ilegítimo)
do Sr. Rei Dom Pedro donde ficou também por esta cabeça, faltando o
direito de suceder, ao Católico Rei de Castela, por ser Príncipe
estrangeiro, e podiam então, e pode agora o Reino aclamar, e obedecer
por Rei, a seu Príncipe natural, o Sr. Rei Dom João IV, não só por
título de legítima sucessão, mas também de eleição, que ficava
competindo aos Povos, e Reino.
E
quando estas razões não foram bastantes para justamente o poder fazer
estando em contrário a posse de sessenta anos, que eram passados desde o
tempo que o dito Rei Católico de Castela se empossou deste Reino no fim
do ano de 1580 principiada e continuada por três actos de sucessão em
sua pessoa, e na de seu filho o Católico Rei Dom Filipe III, e na de seu
neto o Católico Rei Dom Filipe IV de Castela, e aprovada pelo mesmo
Reino, nas Cortes, que celebraram em Tomar no ano de 1581, e nas que
depois fizeram nesta Cidade de Lisboa no ano de 1619, nas quais ambas
foram jurados, obedecidos, e reconhecidos por Rei deste Reino.
Se
assentou, e determinou pelos mesmos três Estados, que quanto à posse
posto que de tantos anos lhes não podia obstar, nem aproveitar aos ditos
Reis de Castela, por ser a princípio violenta tomada com força de
armas, e dos numerosos exércitos, com que o dito Rei Católico
violentamente se empossou do Reino, e por ser atentada estando pendendo
no juízo dos Governadores, a causa da sucessão sem esperar sua sentença,
nem aprovação do mesmo Reino junto em Cortes. E a que teve haver sido
somente de alguns particulares persuadidos com grandes mercês, que sem
estarem em Cortes, a não podiam dar, e a sentença que depois alcançou
haver sido nula, por não ser dada, por todos os Governadores do Reino,
que o Senhor Rei Dom Henrique deixou nomeados, e faltando qualquer deles
lhes faltava conforme o direito poder para sentenciarem. Além do que o
fizeram em tempo que ainda [?] não tinham jurisdição para dar sentença,
que competia somente aos três Estados do mesmo Reino iuntos em Cortes. E
ultimamente por ser dada em Aiamonte lugar de Castela, onde (quando a
tivessem) não podiam exercitar jurisdição. E assim começando a dita
posse com o vício intrínseco da violência, e do atentado que nela se
cometeu, estando pendendo o Juízo, mais ficou tirando o direito ao dito
Rei Católico (quando o tivera) do que confirmá-lo.
Pois
conforme as regras dele a posse violenta não causa prescrição, nem
também nos Reinos a pode haver de menor tempo, que de cem anos. Nem
finalmente pode correr contra o Reino, que nunca teve faculdade, e
liberdade para a reclamar senão agora, e também era necessário pelo que
tocava ao particular interesse dos pretensores, que contra um deles
começasse a prescrição, e se cumprisse o tempo legítimo dela, o que não
houve, nem se cumpriu.
E
quanto ao juramento da obediência e fidelidade, que tinham dado nas
ditas Cortes, aos ditos Reis Católicos de Castela, os não ligava, nem
obrigava para se não poderem eximir de seu domínio, e sujeição.
Porquanto o modo com que o Rei Católico Filipe IV depois que sucedeu,
governou este Reino era ordenada a suas comodidades, e utilidades, e não
ao bem comum, e se compunha de quase todos os modos, que os Doutores
apontam, para o Rei ser indigno de reinar.
Porque
não guardava ao Reino seus foros, liberdades, e privilégios antes se
lhe quebraram por actos multiplicados. Não acudia à defesa, e
recuperação de suas Conquistas, que eram tomadas pelos inimigos da Coroa
de Castela. Afligia, e anexava os Povos com tributos insuportáveis, sem
serem impostos em Cortes fazendo com força às Câmaras do Reino,
consentir neles. Gastava as rendas comuns do mesmo Reino, não somente em
guerras alheias, mas também em coisas que não pertenciam ao bem comum
dele. Aniquilava a nobreza, vendia por dinheiro os ofícios de Justiça, e
fazenda. Provia neles, pessoas indignas, e incapazes. O estado
eclesiástico, e Igrejas, eram oprimidos com tributos, tirando-lhe as
rendas e dando-se às pessoas que davam os arbítrios, iníquos delas; e
finalmente exercitava estas e outras coisas contra o bem comum por
ministros insolentes, e inimigos da pátria dos quais se servia, sendo as
piores pessoas da República.
Nos
quais termos, ainda que os ditos Reis Católicos de Castela, tiveram
título justo, e legítimo, de Reis deste Reino o que não tinham, e por
falta deles, se não puderam julgar por intrusos. Contudo o eram pelo
modo do governo, e assim podia o Reino eximir-se de sua obediência, e
negar-lha sem quebrar o juramento que lhe tinham feito. Por quanto
conforme as regras de direito natural, e humano, ainda que os Reinos
transferissem nos Reis todo o seu poder, e império para os governarem,
foi debaixo de uma tácita condição de o regerem, e mandarem com justiça,
sem tirania, e tanto que no modo de governar usarem delas, podem os
Povos privá-los dos Reinos, em sua legítima natural defesa, e nunca
nestes casos foram vistos obrigar-se, nem o vínculo do juramento
estender-se a eles.
E
assim sendo tudo o sobredito certo em facto, e tão notório, que não
necessitava de prova judicial, nem ao Rei Católico de Castela podia
competir legítima defesa para com ela haver de ser ouvido, nem haver
outro legítimo sucessor a quem se pudesse recorrer, e não, aproveitarem
as muitas queixas, e lembranças que os Tribunais do Reino, e pessoas
graves dele fizeram por muitas vezes ao mesmo Católico Rei de Castela e
com a demonstração que haviam feito os Povos de Évora, e de outros
lugares do Reino para se livrarem da opressão dos tributos sem consentir
com eles a nobreza, não havia bastado para o governo se emendar, antes
com isso se piorou. Assentou justamente o Reino congregado nestes três
estados, usando de seu poder, e em sua natural defensa, negar-lhe a
obediência, e dá-la ao Sr. Rei Dom João IV, que pelo direito derivado da
Senhora Duquesa Dona Catarina sua Avó, era o legitimo Rei, e sucessor
deste Reino.
E
pelas mesmas razões podia ele justamente aceitar a aclamação, e
restituição que dele se lhe fez, e desforça-se e restituir-se ao Reino,
pois em sua pessoa tinha radicado o direito da sucessão dele, e com
violência e força de armas se havia tirado à Sr.ª Duquesa sua Avó, e nem
ela, nem o Sr. Duque Dom Teodósio seu filho em suas vidas tiveram
faculdade para sem perigo evidente delas, e de sua casa o fazerem. Antes
o mesmo Senhor Duque Dom Teodósio fez seu legítimo protesto, e
reclamação por escrito, quando jurou aos Católicos Reis de Castela nas
ditas Cortes, e esse de sua própria letra, e sinal, tomando nele por
testemunhas aos Santos do Céu, por se não poder fiar naquela conjunção
das pessoas da terra, nos quais termos ainda que se não intimasse
judicialmente lhe ficou conservando seu direito, para quando houvesse
faculdade de poder desforçar-se, e usar dele para si, ou por seus
sucessores. A qual somente agora teve, e o pode fazer o Sr. Rei Dom João
seu neto, pela aclamação unânime, e restituição, que o Reino todo lhe
fez, não somente de rigor de justiça pelo direito que tinha da sucessão,
mas juntamente pelas grandes qualidades, excelências, e virtudes, que
concorrem em sua Real pessoa bastantes para sem outro direito poder, e
dever ser eleito por Rei destes Reinos, suposto o estado, a que o
chegaram com seu governo os ditos Reis Católicos de Castela.
E
para constar do sobredito, e do que nisto o Reino obrou, entendendo ser
vontade de Deus nosso Senhor, que para este tempo foi servido reservar a
restituição dele, com manifestos sinais do Céu fizeram os três estados,
este breve assento firmado por todos, para ficar sendo o princípio
destas Cortes e ficar manifesta em todo o tempo a justiça e razão com
que assim se determinou, e executou, deixando a comprovação de tudo o
sobredito no facto, e no direito ao Livro que em nome do Reino, se
divulgara, e imprimira, sobre esta matéria.
Escrito em Lisboa
aos cinco dias do mês de Março de mil e seiscentos e quarenta e um anos,
por Sebastião César de Meneses, Secretário do Estado da Nobreza, Doutor
nos Sagrados Cânones, Inquisidor da Suprema, do Conselho do Rei nosso
Senhor, e Desembargador do Paço; e assinaram juntamente as pessoas que
assistem em Cortes pelos três Estados do Reino, segundo o uso e costume
dos mesmos Reinos.
[segue-se a lista dos procuradores às Cortes assinantes do documento]
|
Fonte: Assento
feito em cortes pelos tres estados dos Reynos de Portugal da
acclamação, restituição & juramento dos mesmos Reynos ao… Rey Dom
Joaõ o Quarto deste nome, [Lisboa], por Paulo Craesbeeck, 1641.
Retirado do Portal da História
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