e, por isso, o ministro espanhol que não pense
constantemente na reunião ou não obedece
à lei ou não sabe do seu ofício”.
José de Carvalhal y Lencastre
(Ministro de Estado ao tempo do rei Fernando IV, de Espanha)
O SIED e o SIS [1] (já que
serviços de informação militar, na realidade, nunca tivemos) passam a
sua vida de amadores – o actual sistema político não permitiu ainda que
passassem disso – a preocuparem-se com coisas que pouco interessam à
segurança do país e seu futuro. O primeiro vai elaborando umas
informações sobre teatros de operação longínquos que pouco têm a ver
connosco, e ainda é possível que infiltrem uns tipos nos PALOPs
(presume-se que Brasil excluído) a fim de perceberem o que se passa por
lá (quando não espiam os próprios nacionais em funções), o que, na
prática também não serve para nada, já que os sucessivos governos
portugueses não têm tido qualquer estratégia para lidar com esses
países.
Limitam-se a gastar dinheiro e esforços a brincar às “cooperações”,
sem qualquer retorno e a pôr-se de cócoras sempre que a cleptocracia de
Luanda tosse.
O SIS em vez de se focalizar nas verdadeiras ameaças que espreitam a
sociedade portuguesa (terrorismo, criminalidade transnacional, emigração
desregrada, conjuras internacionalistas, acções de sociedades secretas,
etc.) esfalfam-se a colher dados relativamente a patriotas que se
indignam com o desmoronamento do nosso país e a fazerem análise de risco
dos detentores dos órgãos de poder, de modo a melhor protegê-los da
“ira” dos cidadãos.
Pelos vistos também se preocupam com um ou outro personagem do “Jet set”, que possam interferir com negociatas correntes…
Por tudo isto não se estranha que o que se passa em Espanha não
pareça causar nesses serviços, ou a quem neles superintende qualquer
preocupação de maior.
A lógica reinante parece imbatível: então a Espanha não é nossa
amiga, aliada e não participa connosco em todas as alianças e
instituições onde estamos (excepção feita, “hélas” para o Tratado de
Windsor…)?
Sendo assim que sentido fará, já não direi espiá-la, mas andar informado do que lá se passa?
Lamentavelmente quem assim pensa não anda com os pés no chão…
Este tipo de pensamento a haver em responsáveis políticos é
absolutamente inadmissível num Estado supostamente representativo de uma
Nação com 900 anos de existência!
Mas há males que vêm por bem.
O actual governo espanhol enviou uma carta para a ONU, no pretérito
dia 5 de Julho em que, não contestando directamente a soberania
portuguesa sobre as Ilhas Selvagens defende que estas são “rochedos” e
não “ilhas”, o que coloca directamente em causa a ZEE do território e
pode ter implicações na definição da Plataforma Continental, que
Portugal intentou, tempestivamente, na sequência do Tratado de “Montego
Bay”. [2]
Ora o modo como Madrid tomou esta iniciativa – ao que se sabe – isto
é, á sorrelfa e sem aviso prévio a Lisboa, tendo ainda em conta, que os
governos de ambos os países se encontram semestralmente em cimeiras,
apelidadas de “ibéricas”, não tem nada a ver com uma atitude de um país
aliado, muito menos amigo.
Que o Governo de Madrid ande acossado com os problemas de coesão
interna, por causa das autonomias, de que são expressão maior o que se
passa na Catalunha e no País Basco; os escândalos que têm assoberbado a
Casa Real; os problemas que se avolumam nas FA e a crise financeira que
tudo corrói, nós compreendemos mas, desde já, garantimos que não
contribuímos em nada para que tal ocorresse.
Antes pelo contrário, só temos é que emendar a mão por termos criado
vulnerabilidades com os nossos vizinhos, que a entrada na CEE (depois
UE) potenciou e a estúpida política do “Espanha, Espanha, Espanha”,
exponenciou!
Se por tudo isto ou por outras razões, o facto é que o Governo
Espanhol foi mexer em várias feridas geopolíticas sem, aparentemente,
lhes medir as consequências, sobretudo pelas contradições em que se
emaranharam.
E ter “Tailleyrands” para se sair airosamente destes imbróglios não está ao alcance de todos, nem de todas as épocas…[3]
Resumidamente:
O Governo Espanhol arranjou, a propósito do anúncio das obras de um
molhe artificial para a pesca por parte do governo de Gibraltar que,
supostamente, irão prejudicar a comunidade piscatória vizinha, um
pretexto para relançar a reivindicação sobre o “Rochedo”, ao mesmo tempo
que dificultam a passagem na fronteira terrestre do mesmo.
Tal evento ocorreu numa data temporal próxima da “catilinária” sobre as Selvagens.
A toda esta questão “regional” temos que juntar os casos das cidades
de Ceuta e Melila, encravadas na costa marroquina (Ceuta está em frente a
Gibraltar e juntas controlam o acesso ao Mediterrâneo), a ilhota
desabitada de Perejil – a 200 metros da mesma costa e a 8Km de Espanha, no Estreito de Gibraltar – onde ocorreu um pequeno
incidente, em 2002, em que militares espanhóis foram rapidamente
transportados para o local; o atol de Alhucenas, sem população, mas com
uma fortaleza guarnecida com um pelotão destacado de Melila; o rochedo
(Peñon) de Vellez de la Gomera, igualmente desabitado e com fortaleza
guarnecida do mesmo modo e o Arquipélago das Chafarinas, sem população
nem fortaleza e onde estaciona um pelotão da Legião Espanhola.
Qualquer deles a escassos metros da costa de Marrocos e ignorados de quase todos.
No meio de tudo isto temos a
antiquíssima terra portuguesa de Olivença e seu termo (453,54Km2),
ocupada militarmente por Espanha que se tem “esquecido”, ano após ano,
em a devolver, como acordado no Congresso de Viena de 1815.
Esquecimento que só tem paralelo na falta de “lembrança” dos governos
portugueses em reivindicar a retrocessão devida – apesar de nunca se
ter reconhecido tal ocupação nem se ter ractificado os marcos da
fronteira.
O que representa um vergonhoso comportamento de ambos.
Vejamos as principais contradições em que o Estado Espanhol se enreda.
O problema de Gibraltar decorre da Guerra da Sucessão de Espanha
entre 1702 e 1713. Neste último ano teve início o Tratado de Utrecht,
que pôs fim ao conflito, tendo sido acordado que a soberania do Rochedo
passaria para a Inglaterra.
Os espanhóis assinaram o Tratado, mas nunca se conformaram, apesar de
à luz do Direito Internacional não parecer haver bases para qualquer
exigência espanhola de retomar a soberania do local. A não ser que os
gibraltinos intentassem um processo de auto determinação – como parece
estar a acontecer na Catalunha – e, mesmo nesse caso, se quisessem
ligar-se à Espanha.[4]
Madrid já afirmou não reconhecer o resultado de qualquer referendo no
território e ameaça apoiar a Argentina nas suas reivindicações sobre as
Malvinas. [5]
Porém, relativamente a Ceuta e Melila o Governo de “nuestros
hermanos” entende que as razões que aduz para aceder a Gibraltar não são
lícitas por parte de Marrocos que pretende que as cidades passem para a
sua tutela.
A Espanha está em Marrocos por
vicissitudes da História, desde o tempo em que a conquista era
considerada lícita, entre os povos. Madrid herdou Ceuta de Portugal, em
1640, já que a cidade foi o único domínio luso em todo o mundo que não
aclamou D. João IV (o capitão da praça, ao contrário do estabelecido nas
Cortes de Tomar de 1581, era Castelhano).
Como se sabe o nosso país esteve presente no Norte de África durante
354 anos, tendo abandonado por sua iniciativa a última cidade – Mazagão –
em 1769.[6]
Curiosamente
o último território que a Espanha abandonou na costa marroquina, foi o
enclave do IFNI, em 1958, depois de uma mini guerra de que saíram
vencedores…
Vá lá a gente entendê-los…[7]
Onde, em rigor, os espanhóis não têm razão alguma, é na questão de Olivença e nas Selvagens.
A Praça de Olivença foi tomada na curta e infeliz “Guerra das
Laranjas”, em 1801, inspirada num indecoroso acordo entre Napoleão e a
Corte Espanhola, onde pontuava o valido Manuel Godoy.
Para mal dos nossos pecados a rendição de Olivença também foi feita
de um modo militarmente indecoroso. Assinou-se um mal alinhavado
“Tratado de Badajoz” no qual Lisboa cedeu a Praça.
Com a 1ª Invasão Francesa, em 1807, quebraram-se parte dos
compromissos em que o tratado se firmara, pelo que o governo português
logo reivindicou a vila e seu termo e declarou nulo o tratado.
Tal veio a ser confirmado na Conferência de Viena, de 1815, em que a
Espanha (que só o assinou em 1817) se comprometeu a devolver o
território, português desde o Tratado de Alcanizes, de 1297, o que até
hoje não fizeram, tendo o cuidado de “espanholizar” toda a nossa
população (muita da qual se retirou do território) e cuidando, até há
pouco tempo, de fazer desaparecer a maioria das marcas lusas.
Quanto às Selvagens o caso ainda é mais caricato, se tal é possível dizer.
Os nossos navegadores foram até lá pela primeira vez em 1428 e sempre
a área foi por nós frequentada. As Canárias foram cedidas a Castela
pelo Tratado de Alcáçovas/Toledo, de 1479/1480, após um contencioso que
se arrastava desde 1340. Mas as Selvagens não fizeram parte do “pacote”.
[8]
Só a partir de 1911, sem qualquer
argumento válido e credível, “nuestros hermanos” – que de irmãos têm
muito pouco – começaram a pôr em causa a nossa soberania. [9]
Em 1938 a Comissão permanente do Direito Marítimo Internacional confirmou a soberania portuguesa.
O Estado Português tornou-as reserva natural, pertencentes ao Parque Natural da Madeira, criado em 1971.
O Arquipélago é constituído pela Selvagem Grande, Pequena e Ilhéu de
Fora, num total de 2,73 Km2, atingindo 163 metros de altura. Tem dois
guardas residentes e uma habitação de residência temporária de uma
família do Funchal. [10]
Está situado a 250 Km da Madeira, 165 Km
das Canárias e 250 Km da costa africana; administrativamente fazem
parte da freguesia da Sé, Concelho do Funchal.
Está situado a 250 Km da Madeira, 165 Km das Canárias e 250 Km da
costa africana; administrativamente fazem parte da freguesia da Sé,
Concelho do Funchal.
Fez bem o PR em ir lá dormir uma noite escoltado por navios da nossa
esquadra, numa afirmação de interesses e soberania, incontroversa.
Nesta linha se deve realizar o exercício militar previsto, para breve, na área.
E bom seria que a Diplomacia não
dormisse (os chefes militares também não) e o Governo não tergiversasse,
procurando tirar proveito das contradições insanáveis em que Madrid se
enleia, em favor dos nossos interesses.
É mister, ainda, tomar a iniciativa – que há muito tarda – de, na
próxima cimeira Luso-Espanhola (não Ibérica), começar por dizer aos
ministros espanhóis que queremos ser amigos da Espanha “à moda de Navas
de Tolosa e do Salado” e não de outra maneira; que desviem o olhar das
Selvagens e que cumpram o que se obrigaram após 1815, pois OLIVENÇA É
TERRA PORTUGUESA!
João J. Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador
[1] SIED – Serviço de Informações Estratégicas de Defesa; SIS – Serviço de Informações de Segurança
[2] Trata-se da “Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay, Jamaica, em 10/12/1982.
[3] Charles – Maurice de
Talleyrand – Périgord (1754-1838), político e diplomata francês que
conseguiu servir muitos, diferentes e até opostos governos e regimes,
durante imenso tempo…
[4] Gibraltar faz, porém, parte
de 17 territórios que são considerados pela ONU como “Non – Self –
Governing Territories”. Destes, 11 estão debaixo da administração do
Reino Unido.
[5] Havia de ser curioso de ver
o que sucederia caso Portugal ou a Inglaterra, invocassem a Aliança
Inglesa, respectivamente, para solucionar, em caso de necessidade, os
casos de Olivença e Selvagens, ou Gibraltar e Malvinas…
[6] Posteriormente, em 1774, foi assinado um notável Tratado de Paz entre Portugal e o Sultão de Marrocos, que nunca foi rompido.
[7] Como “curiosidade” a
Espanha que ocupava o Sahara Ocidental decidiu, em 26/02/1976, informar o
Secretário - Geral das Nações Unidas, que iriam terminar a sua presença
naquele território, isentando-se de qualquer responsabilidade
internacional futura! Marrocos reivindicou de imediato a soberania sobre
o mesmo que é contestada pelos Sahauris. Mais um problema por resolver.
[8] Foram assim babtizadas por Diogo Gomes de Sintra, em 1438, e terão sido descobertas pelos irmãos Pizzigani, em 1364.
[9] Há cerca de um ano,
questionei um Almirante espanhol, durante uma conferência, em Lisboa,
sobre as Selvagens, o qual simpaticamente me sossegou sobre as intenções
do seu país. O adido militar espanhol presente é que não pareceu nada
satisfeito com a questão.
[10] Por exemplo o Estado do Vaticano e o Mónaco são mais pequenos que as Selvagens.
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