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A CAUSA REAL NO DISTRITO DE AVEIRO

A CAUSA REAL NO DISTRITO DE AVEIRO
Autor: Nuno A. G. Bandeira

Tradutor

sábado, 22 de junho de 2013

A UNIVERSIDADE DE COIMBRA: UM BEM DE VALOR UNIVERSAL

Se aceitarmos que o mundo, tal qual hoje o conhecemos, na sua História, na sua transculturalidade, na sua própria inter-racialidade, seria, decerto, assaz diverso do que é sem o contributo português; e se reconhecermos que ao país ele mesmo (na sua definição, afirmação e projecção) seria estrutural o contributo da instituição que conhecemos por Universidade de Coimbra (mas foi, até aos alvores do século XX, simplesmente a Universidade Portuguesa, única escola superior no Reino e seus domínios), desde logo na formação das elites administrativas, religiosas e técnicas que, por longos séculos, o sustentaram e lhe garantiram uma irradiação global, será imperativo concluir que o mundo não seria o mesmo (tal qual hoje o conhecemos), sem o cadinho científico e pedagógico que a velha escola representa e se ilustra no seu percurso histórico e na sua dimensão patrimonial. E que esta, por conseguinte, constitui elementarmente um bem de valor universal, detentor, por natureza, da dimensão de Património Mundial.

Consolidando um património histórico, artístico, literário e científico e uma cultura antropológica multisseculares e únicos no seu conjunto, mesmo no contexto das universidades históricas europeias, a Universidade de Coimbra conformaria ainda uma relação única com a cidade onde acabaria por estabilizar (há quase cinco séculos), de que receberia o nome e que domina, física e simbolicamente, das alturas da acrópole: ambas, nesse convívio, mutuamente se modelando e (con)fundindo, numa osmose em absoluto singular. E mais ainda: ao instalar-se no Paço Real da Alcáçova (a decana de moradias reais portuguesas), cuja aquisição, em 1597, daria origem ao Paço das Escolas, herdaria inteiro (nisso uma vez mais se distinguindo) o património matricial da própria urbe, berço da nação e a sua própria e singular dimensão régia, da qual em consciência se apropria.

Aí, de facto, nesse originalíssimo domicílio (síntese única de fortaleza, palácio e escola), que persiste como sede simbólica e ritual de uma instituição que pouco a pouco lhe transbordaria os muros, insiste em pulsar, pelo tempo fora, o músculo vital de uma escola obviamente contemporânea, a que os novos rankings internacionais garantem um lugar de topo na escala das suas congéneres portuguesas - ao mesmo tempo que, embebido nas pedras que o modelam, se preserva o ADN do país que somos, radicado numa história milenar que começa muito antes que houvesse nome Portugal: porém essencial à compreensão da sua própria existência histórica. Paredes vivas, pois, que iriam crescendo e modelando-se, como os anéis arbóreos, das capas que lhe adiciona o fluir dos tempos e das gerações: num fenómeno espantoso de enriquecimento contínuo, por um lado e de fidelidade às longínquas origens, por outro. Assim, em Coimbra, a Universidade é como uma árvore, cujas raízes embebe no seu solo histórico e cuja copa, frondosa e extensa, paira sobre urbe, em relação nem sempre plácida, porém indissolúvel.

Nesse complexo arquitectónico de excepção se resume Coimbra, pode dizer-se - e se resume igualmente o mundo: imprimindo, no seu casco mais que milenar, não apenas cada etapa do seu percurso vital, mas cada estrato da cidade onde se implanta, do país que nela, pelo decurso do tempo, projectou referências estratégicas, simbólicas, culturais, científicas e técnicas, e do próprio espaço global até onde se estendeu o português, como estrato por seu turno incontornável e que, por sua vez e até aos dias de hoje, pelo tempo além, contribuiria de modo decisivo para o seu próprio e cíclico rejuvesnescimento e enriquecimento: isto mesmo consagrando o Grupo Coimbra de universidades europeias (entre cujos 39 membros figuram algumas das suas mais antigas congéneres), ou o Grupo de Coimbra de Universidades Brasileiras, aliás subscritor da candidatura UNESCO.

Aí, ao rés do solo, guardam-se vestígios da antiga civitas de Aeminium, embrião da cidade, e o Paço das Escolas (a Universidade, como, em significativa osmose, se usa designá-lo) mais não é que a longa reformulação dos muros edificados às ordens de Almansor, há mil anos, e que até hoje, no essencial, lhe delimitam o perímetro. Contra essa estrutura inverosímil, que configura o maior investimento da arquitectura militar omíada em toda a Península Ibérica (que o mesmo é dizer no espaço europeu), se haveria de abater a ambição do imperador cristão, Fernando Magno, na Reconquista Cristã de 1064, onde tem início a contagem decrescente da formação do reino português. E no seu interior, etapa a etapa - do inicial palatium pré-românico, onde o primeiro Afonso se estabeleceria, à grande estrutura áulica edificada por Afonso IV, em cuja sala grande ressoaria a voz de João das Regras; às obras dinamizadas pelo infante D. Pedro (Das Sete Partidas), que aí redigiria o seu Livro da Vertuosa Benfeitoria; à campanha monumental de D. Manuel I

D. João III, que assistiria (em sala que existe) à primeira representação, pela mão de Gil Vicente, da Comédia Pastoril da Serra da Estrela e, poucos anos mais tarde, à chegada da Universidade - se consolida a medula do que fomos e se ocultam as razões primárias de muito do que somos. Como povo; como país.

De então para cá e pelo tempo fora, adquirido pela Escola o edifício onde haviam nascido e morrido mais reis e príncipes de Portugal que em qualquer outra moradia régia, novas capas se adicionariam, uma por uma, sobre o ilustre casco milenar: ao mesmo tempo que se converteria em eixo de uma rede de colégios que, a partir do projecto pioneiro da Rua da Sofia, contaminariam a cidade, modelando-a, em vagas sucessivas, até ao século XVIII - da Porta Férrea à Sala dos Capelos, dos Gerais e da Biblioteca Joanina à Torre (o primeiro observatório astronómico português), ou ao reordenamento do Terreiro, sob o Estado Novo (enquanto, na colina, brotava a cidade universitária); ou ainda, já em nossos dias, ao auditório da Faculdade de Direito de Fernando Távora ou à requalificação contemporânea do mesmo Pátio por Gonçalo Byrne, no quadro de uma intervenção global, na cidade Alta, que decorreria paredes meias com a candidatura da Universidade a Património Mundial. Capas que configuram a projecção material da dimensão central da instituição: a de bem imaterial que realmente é, como corpo jurídico e moral: a verdadeira essência da Universidade, que possibilitaria a agitada história das suas migrações medievais.

Um corpo em absoluto singular, de facto, em cada uma destas dimensões. À margem do ranking, que a avalia tão-somente no plano técnico, é esta e essencial razão da diferença de Coimbra. A decisão da UNESCO, que se espera sábia, tão-somente a reconhecerá. Por seu turno, ao promover, motu proprio, essa consagração, no quadro de um processo modelar, a velha instituição fez tão-só o que há muito lhe é familiar e a gíria consagra numa expressão comum de raiz escolar e académica: o trabalho de casa. Alea jacta est.
 
António Filipe Pimentel em Jornal Público

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