por CARLOS CARNEIRO, SJ,
MESTRE
DE NOVIÇOS DA COMPANHIA DE JESUS EM PORTUGAL
Desde a última quarta-feira (13 de Março de 2013) que a Igreja ganhou um novo Papa.
Desde a última quarta-feira (13 de Março de 2013) que a Igreja ganhou um novo Papa.
Os srs.
cardeais foram "ao fim do mundo" buscar um inesperado timoneiro para
liderar a barca da Igreja.
Passaram-se
apenas alguns dias deste acontecimento, e já todos intuímos um novo tempo onde
a proximidade e humildade do novo pontífice conviverão com a liderança e
autoridade próprias do ministério de Pedro.
Muito
poucos sabiam pronunciar o seu nome, menos ainda os que ousavam esperar a sua
nomeação.
Ninguém
tinha apostado no cardeal Jorge Bergoglio.
Assim,
a Igreja acabou por dar ao mundo uma enorme lição de liberdade expressando de
um modo irrefutável a inspiração divina do seu discernimento e eleição.
O
cardeal Bergoglio, novo bispo de Roma, escolheu o inédito e surpreendente nome de Francisco.
O nome
Francisco foi acolhido não só como a evocação do pobre de Assis mas também como
o sinal de uma esperançada profecia para enfrentar os tempos diagnosticados por
Bento XVI quando da sua corajosa renúncia ao Pontificado.
Na varanda de S. Pedro, o Papa Francisco apresentou-se e descobriram-se outras
novidades importantes:
Francisco
é o primeiro Papa latino-americano e não europeu desde há muitos séculos; Francisco
é um Papa "frade", é um cardeal jesuíta, que paradoxalmente pertence
à única ordem religiosa que por um lado faz voto de renunciar a toda e qualquer
dignidade eclesiástica e por outro define-se a si própria através de um quarto
voto de especial obediência ao Papa no que diz respeito às missões.
Rapidamente,
os media descobriram que o Papa Francisco, no passado, antes de ser bispo e
cardeal de Buenos Aires fez, enquanto jesuíta, todos estes votos
"específicos" não por desrespeito mas em consequência com a
identidade e missão daquilo que a própria Igreja pede e espera da Companhia de
Jesus.
Como
foi possível então escolher um jesuíta para Papa?
Ao ter
sido escolhido pelo Papa João Paulo II para bispo auxiliar de Buenos Aires, o
P. Bergoglio deixou de estar sujeito à vida e às regras da sua ordem religiosa.
Recorde-se que a vocação dos jesuítas dentro da Igreja não é ao governo mas à missão.
Do
noviciado até ao fim da sua longa e cuidada formação, cada membro da Companhia
de Jesus aprende na humildade a amar sem preferência qualquer lugar, trabalho
ou missão e a procurar servir sem procurar nenhuma recompensa senão a de saber
que, no que faz, faz a vontade de Deus.
Os
jesuítas existem para servir e obedecer com alegria, para viver para Cristo e
morrer pela Igreja.
Esta é
a sua identidade e liberdade.
É
também, assim o tem sido muitas vezes, ao longo dos séculos, a nossa cruz e o
caminho da nossa própria santidade.
Os
papas, todos os papas sem excepção tiveram na Companhia de Jesus um corpo
apostólico disponível para o serviço da fé e a promoção da justiça.
E mesmo
quando as fronteiras da missão para onde os papas nos enviam são tudo menos
óbvias ou gozosas, em particular as fronteiras do mundo da cultura e da ciência,
da paz e do progresso dos povos, da teologia e da pastoral, do serviço aos
pobres e da presença nos centros de decisão, a fidelidade fala sempre mais alto
e o amor à Igreja tudo cala, tudo suporta.
Das
coisas sensatas que pude ler nos dias prévios ao conclave foi um artigo de
opinião espanhol onde se dizia que a "conversão" que a Igreja
precisava só poderia vir através de alguém que fosse especialista na vida
interior, na intimidade da oração e da liberdade de não ter nenhuma pretensão
de poder.
A Igreja
precisava urgentemente de um papa "frade", um papa que conhecesse e
valorizasse o primado da simplicidade, a audácia do anúncio de Cristo, a força
e determinação espiritual para reconstruir o rosto ferido da Igreja.
Neste
sentido, podemos dizer que a Igreja precisava não só de um papa sábio ou
prudente mas de um papa pobre!
Só a
autoridade de um papa pobre será capaz de, com engenho e arte, receber de Deus
as capacidades para liderar, governar e santificar o seu povo, assim como
renovar e valorizar todas as suas estruturas.
Só um
papa com alma e coração de pobre será capaz de escutar o mundo, perscrutar os
seus desejos, conhecer as suas dificuldades sem se deixar abater e abrir um
novo horizonte de esperança.
Quando
o mundo descobriu que tínhamos um Papa Francisco, comoveu-se; quando viu o Papa
Francisco inclinar-se para receber a bênção, ajoelhou-se a rezar; quando viu o
Papa Francisco sorrir, descansou e agradeceu o dom de uma inesperada
humanidade;
Quando
descobriu que o Papa Francisco era um jesuíta, pensou que teríamos mais um papa
professor, à imagem de Bento XVI.
O mundo
ainda não sabia que ser jesuíta hoje, tal como ser "frade" ou
"freira" de qualquer ordem religiosa, significa ser livremente pobre,
(por mais intelectualizada que seja a sua formação) à maneira de Cristo pobre e
humilde.
Ninguém
esperava um papa pobre mas o milagre chegou a Roma, da forma mais inesperada e
discreta.
Foi a
resposta de Deus a todas as nossas ansiedades e esperanças.
A
fidelidade à pobreza de Cristo dará ao Papa Francisco o impulso e vigor para
amar e governar a barca da Igreja e abri-la às medidas do coração de Deus e às
exigências da fidelidade perene e criativa da Igreja.
Não
sabemos se Francisco continuará a cozinhar ou a viajar de autocarro, a visitar as famílias pobres ou a surpreender os políticos com as
suas convicções; não sabemos se continuará a visitar os amigos nos hospitais e
a aprofundar a fé não só na teologia mas também na literatura; não sabemos se
jogará alguma partida de futebol ou deixará escapar da sua boca alguma nota de
Gardel; não sabemos se o veremos a tomar o seu mate ou o que fará com o seu
sentido de humor; não sabemos como conciliará sua devoção por N. Senhora e os
desafios das filosofias e teologias contemporâneas; não sabemos como vai conciliar
o seu lado espontâneo com a toda a estrutura governamental; não sabemos como
vai conciliar o seu múnus pastoral com o seu papel de Chefe do Estado; não
sabemos como vai conhecer as novas cartografias humanas e as questões
geopolíticas; não sabemos que caminho inventará para experimentar a solicitude
e comunhão com os seus pastores e conhecer a pluralidade infindável das
comunidades, grupos e movimentos;
Sabemos
que o Papa Francisco tem vontade de continuar a levar ao peito a sua cruz de
sempre, semelhante àquela que um dia sendo apenas um jovem noviço jesuíta
recebeu das mãos do seu querido mestre e se abriu à construção permanente de
uma nova fraternidade, a partir de uma relação de confiança.
Aos
olhos do mundo, Francisco chegou a Roma sem currículo para ser Papa.
Foi
muito provavelmente o seu despojamento e humildade o melhor cartão de visita
para os srs. cardeais escolherem alguém que não tinha nem tem ambições de poder
ou de importância, a não ser a ambição de poder servir em absoluto Cristo e
a sua Igreja, o mundo e os mais pobres.
A um
Papa com coração de pobre podemos fazer chegar todas as nossas "agendas", assim com todos os sonhos e desejos de uma Igreja
sempre a caminho.
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