*Excerto de um artigo de Ana de Freitas – Público - 22 de Março de 2013
Como utilizadores da língua portuguesa
sentem-se assaltados. Lembram que a língua é a pele, e quando é
esfaqueada, todo o corpo sofre. Pronunciaram-se contra o Acordo
Ortográfico, na Universidade Nova de Lisboa, João Bosco Mota Amaral,
Miguel Sousa Tavares, Nuno Pacheco ou Maria Alzira Seixo
Escritores,
jornalistas, professores e alunos reuniram-se na quarta-feira para
debater o Acordo Ortográfico, no fórum “Onde Pára e Para Onde Vai a
Língua Portuguesa?”, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da
Universidade Nova de Lisboa. João Bosco Mota Amaral, Miguel Sousa
Tavares, Nuno Pacheco e Maria Alzira Seixo pronunciaram-se contra o
diploma, na qualidade de “cidadãos da língua portuguesa” – palavras de
Miguel Sousa Tavares.
“Não sou linguista, gramático nem
especialista, sou um simples utilizador da língua, que se sente
assaltado como os cipriotas, que têm dinheiro nos bancos, se sentem
neste momento”, revelou durante a sessão. Definiu como “surreal” a
encruzilhada que se vive neste momento. “Neste momento, há três
dialectos oficiais de português: o que se fala no Brasil, o que se fala
em Moçambique, Angola e outros PALOP, que é o nosso antigo; e há o nosso
acordo, que só nós aplicamos. Sendo que queríamos unificar, ficámos
sozinhos num suposto texto unificador da língua portuguesa”, afirmou.
“Um dos argumentos iniciais era: ‘a
língua tem de ser uma coisa de todos’. Mas a língua já é uma coisa de
todos, uns escrevem melhor, outros pior, uns são escritores, outros
quase analfabetos. A sociedade sempre conseguiu viver com isto, da mesma
forma como consegue viver com as diferenças que existem entre cada
país”, disse Nuno Pacheco, Vice-Director do PÚBLICO. “Desde a República,
que não existe uma coincidência entre a forma como o Brasil e Portugal
escrevem. A própria estrutura frásica é diferente e não é um acordo
ortográfico que vai resolver isso. Temos de entender que essas
diferenças são óptimas”, continuou.
Partilhando da mesma indignação, o
deputado João Bosco Mota Amaral foi apanhado de surpresa quando o seu
computador na Assembleia da República passou a “assinalar como erro o
modo de escrever aprendido há muitas décadas”.
Sousa Tavares confessou que quando tomou
conhecimento do acordo ortográfico, em 1991, chegou à conclusão, “não
tão irónica quanto isso”, de que a origem deste documento estava num
conjunto de “cabeças pensantes, mas pouco activas, da Academia de
Ciências, que para arranjar financiamento para viagens ao Brasil”, deram
como “pretexto” o acordo ortográfico.
Pelo contrário, Maria Alzira Seixo aponta
uma “origem universitária e não partidária” ao documento. “Vi nascer
este acordo nos corredores da faculdade nos anos 1980, pelas mãos dos
meus colegas Fernando Cristóvão e João Malaca Casteleiro”.
“Vínculo amoroso à palavra”
João Pedro Serra, professor de estudos
clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, não esconde o
afecto que o liga à língua materna e procura transmitir aos seus alunos
esse “vínculo amoroso à palavra”. Condena este acordo que conduz ao
“obscurecimento da palavra” e “transforma numa convenção, aquilo que
deveria ser luminoso”.
Para este teórico e amante da palavra, a
luta em que participa, mais do que colectiva, é pessoal. “Não gosto que
me mexam nas contas do banco mas ainda menos gosto que me mexam naquilo
que me tece a alma”.
Jorge Buescu, matemático, disse que a sua
presença no encontro se devia à mãe, Maria Leonor Buescu, professora
universitária e opositora do acordo desde o início. Tendo recebido como
herança essa ligação com a língua portuguesa, revela que “escrever assim
é uma dor de alma”. “Se for preciso vou dar erros de ortografia pela
primeira vez”, continua.
Maria Alzira Seixo, escritora e
professora na Faculdade de Letras, recorre à metáfora do corpo para
explicar a importância da língua. “Há duas coisas fundamentais para o
corpo se exprimir: respirar e comunicar”. “A ortografia funciona como a
pele para o corpo e se esfaquearmos a nossa pele todo o corpo sofre”.
Para a autora, a identidade da língua depende “do lugar onde se está” e
da “herança cultural” de cada país. Daí que considere que escrever e
“falar o português de formas diferentes em Portugal e no Brasil seja uma
coisa perfeitamente natural”. Explica que a evolução natural de uma
língua não é imposta por um “diploma”, é feita pelos seus utilizadores.
“Somos nós a falar que modificamos certas formas de expressão e as
consagramos através do uso”.
Estratégias de luta
José Luís Porfírio, crítico de arte,
revelou a estratégia que utiliza para contornar as normas do acordo
ortográfico, aplicadas no semanário Expresso, onde escreve desde
1980. Perante a “traição do jornal”, decidiu fazer “uma coisa à
portuguesa”, escrever “sem usar as palavras novas”. Exemplificou
contando que num texto que escreveu esta semana, sobre o arquitecto João
de Almeida, substituiu “arquitecto” por “desenhador de casas”. Deixou,
no fim da sua intervenção, uma mensagem: “O crítico é um ‘espetador’ com
espeto afiado, que vai buscar ao seu estoque a matéria para a espetada
final. E o que eu desejo a todos é que a espetada final não seja na
língua portuguesa, seja no acordo”.
JÁ LUIS DE CAMÕES DIZIA: "ENTRE OS PORTUGUESES TRAIDORES HOUVE ALGUMAS VEZES"
ResponderEliminarOS AUTORES E OS SANCIONADORES DESSE MALDITO ENCONTRO QUEREM DELAPIDAR O NOSSO ÚLTIMO PATRIMÓNIO, A SAGRADA LÍNGUA PORTUGUESA.