Para S. Tomás, como para Aristóteles, há três formas de
sociedade possíveis:
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a) Monarquia;
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b) Aristocracia;
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c) Democracia.
A cada uma destas três formas correspondem três outras
formas que são a sua corrupção:
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a) Tirania, corrupção da Monarquia;
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b) Oligarquia, corrupção da Aristocracia;
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c) Demagogia, corrupção da Democracia.
A Monarquia é o governo dum povo por um só, e a Tirania é a
opressão de todo o Povo. A Aristocracia é a administração do povo por um grupo
de homens virtuosos, e a Oligarquia é a opressão de todo o povo ou de uma
parte, um grupo. A Democracia é o governo do Estado por uma classe numerosa, e
a Demagogia é a opressão duma classe social por outra como por exemplo, quando
a plebe, abusando da sua superioridade numérica, oprime os ricos; é a Tirania
da multidão. Qual das três formas de governo é a melhor, isto é, a mais justa?
Há sempre perigo, esclarece o Doutor Angélico, ou em
renunciar à melhor forma de governo, que é a Monarquia, pelo receio da Tirania,
ou, pelo temor da renúncia, em adoptar o governo monárquico, correndo-se o
risco de o ver degenerar em tirania. A corrupção do melhor é sempre o pior.
Então, que devemos fazer: contentar-se a gente com o não estar muito bem pelo
medo de ficar muito mal, ou aspirar ao melhor sem pensar no pior? A resposta só
pode ser dada, depois de sabermos as razões porque a Monarquia é o melhor dos
governos.
Antes de mais nada, vejamos: qual é mais vantajoso para uma
cidade ou para uma província: o governo de um ou o governo de muitos? Para se
responder a isto, temos que fixar qual seja o fim que deve propor-se qualquer
governo. Ora a intenção de quem exerce a função governativa deve ser garantir a
salvação daqueles sobre quem tem domínio. Mas em que consiste o bem e a
salvação da sociedade política? Na paz, – sem a qual a vida social perde toda a
razão de ser. Logo todo aquele que governa um povo deve, antes de mais nada,
garantir-lhe a unidade da paz, isto é, na ordem. Logo, um regime será tanto
mais útil, quanto mais eficaz for na sua missão de garantir a unidade do povo
na paz. É evidente que o que é um só é mais capaz de realizar a unidade do que
muitos, – como as fontes de calor mais poderosas são os objectos quentes por si
mesmos. Logo, o governo dum só é mais útil ao povo de que o governo de muitos.
Além disso, tudo quanto se passa naturalmente, passa-se bem, porque a natureza
faz sempre o que é melhor.
Ora o modo comum, na natureza, é o governo dum só. No corpo
humano, há um órgão que move todos os outros: o coração. Na alma, há uma parte
que preside às outras: a razão. As abelhas têm uma rainha, e no universo
inteiro, só há um Deus que criou todas as coisas e as governa. Se uma
pluralidade deriva sempre duma unidade, e se os produtos da arte são tanto mais
perfeitos quanto mais se parecem com as obras da natureza, – o melhor governo
para um povo consiste necessariamente no governo de um só. E a experiência o
confirma: as províncias ou as cidades governadas por muitos sofrem dissensões,
e são perturbadas pela falta de paz. Foi por isso que o Senhor prometeu, aos
seu povo, como dom magnífico, dar-lhe um só chefe, e colocar um só príncipe no
seu seio. E o perigo da Tirania? Consideremo-lo.
A Tirania não é o perigo exclusivo da Monarquia: a Oligarquia
e a Demagogia, são tiranias também, e que por serem as dum grupo ou duma
classe, não são sempre menos pesadas. Se dizemos que a tirania dum só,
corrupção do melhor, é a pior tirania, é na suposição de que ela fosse
absoluta. Mas esta tirania absoluta é rara; a maior parte das vezes, limita-se
a exercer-se sobre algumas famílias, ou sobre uma classe mais ou menos numerosa
de cidadãos. Pelo contrário, quando se trata da tirania de muitos, o mal reside
no próprio governo e atinge o País inteiro. Se acrescentarmos que o governo de
muitos gera mais frequentemente tiranias do que o governo dum só em virtude das
rivalidades dos chefes que os atiram uns contra os outros, para se eliminarem
em proveito dum, conclui-se que é a Monarquia que apresenta menos perigos.
Dois males, temos que escolher um – o menor. Ora dum lado,
vemos o governo melhor, pouco arriscado a cair no pior; doutro lado, vemos
governos menos bons, muito arriscados a cair em tiranias, das quais a menor
afectaria já a boa ordem de todo o Estado. Se, portanto, a única razão de nos
privarmos do melhor regime é o receio da tirania, e se a tirania mais a temer é
a dos regimes menos bons, não fica razão alguma para que não escolhamos o
melhor governo: o governo dum só. Se apesar de tudo, o Rei se revelar tirano,
devemos suportá-lo tanto quanto pudermos, porque muitas vezes, só se muda dum
mau tirano para um pior. Mas nunca se deve recorrer à violência e ao
assassinato, e deve-se procurar, pelas vias legais, obter do tirano que ele se
demita, porque o povo que escolhe os Reis tem sempre o poder de destituir os
tiranos indignos da sua missão.
Tal é a
doutrina política de S. Tomás de Aquino que temos muito prazer em
oferecer, resumidamente, àqueles que pelo seu conhecimento se
interessaram.
Alfredo
Pimenta in «Nas Vésperas do Estado Novo».
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