Arenga que proferi em Santo Aleixo da Restauração em 1/12/2006
Sem
embargo, na pequena povoação de Santo Aleixo da Restauração, no
interior do Portugal profundo, a data não passou despercebida aos
habitantes locais, que a comemoraram com dignidade, por iniciativa da
autarquia local.
Aqui ficam algumas das palavras então proferidas.
“Não temos soldados destros, nem tantos capitães experimentados, faltam armas, munições e petrechos de guerra; que de nenhuma cousa destas ha o número que convinha; não obstante tudo isso, afirmo com o Senhor, que basta a união das pessoas para suprir todas essas faltas”.
Fr.Cristóvão de Lisboa, 16/12/1644
Caros concidadãos de Santo Aleixo:
Passaram
366 anos desde a data em que voltámos a querer escolher ter governantes
portugueses a dirigir os destinos da velha casa Lusitana, e a
afirmar-mo-nos como Nação politicamente individualizada na comunidade
internacional. Tudo na senda iniciada no Campo de São Mamede, no
longínquo dia 24 de Julho de 1128.
Essa
decisão, eminentemente patriótica, preparada pelos 40 Conjurados, foi
difícil e arriscada e custou-nos uma longa guerra de 28 anos, de muitas
batalhas políticas, diplomáticas e militares, penosas e árduas, que
empobreceram o país, causaram grandes danos materiais e custaram a vida a
muitos milhares de antepassados nossos. Alguns deles pisaram o chão
onde agora estamos.
Devemos curvar-nos perante a sua memória.
E
tudo isto porque o ideal nacional calou mais forte; a ideia da
independência superou os desânimos e amarguras e o desígnio da
libertação da opressão e da ignomínia, multiplicou as forças e o ânimo.
É isso que, singelamente, hoje aqui comemoramos.
Sendo
as comemorações nacionais, elas repartem-se por vários locais e também
neste portuguesíssimo torrão que tem o significativo nome de Santo
Aleixo da Restauração!
Pretendo,
por isso, começar por saudar a Sr. Presidente da Junta de Freguesia e
toda a sua equipa, por levar a cabo esta iniciativa.
Não
deve a mesma ser interpretada como manifestação deslocada de passadismo
histórico; antes vista, como lembrança saudável de eventos que moldaram
a nossa identidade como povo e apuraram a nossa cultura.
Evocar
aqueles que de entre nós se destacaram pelo seu valor, é uma prova de
sensatez, pois cimenta a nossa coesão, que o seu exemplo escorasse nos
aponta referências para o futuro. Evocar, ainda, aqueles que
sacrificaram a vida, fazenda e saúde na defesa da nossa terra, não
precisa de justificação. É, simplesmente, nosso dever fazê-lo. Este
dever tem que ser passado de avós para netos.
Um
argumento que vejo esgrimir por políticos e comentadores vários, contra
este tipo de cerimónias (não faz sentido, então, manter os dias
feriados se não comemoramos o que lhes deu origem), tem a ver com as
eventuais ofensas que terceiros possam sentir.
Tal pensamento é uma verdadeira falácia que não tem razão de ser.
O
que estamos aqui a realizar é um assunto nosso, é um assunto de
família, de uma família antiga, com grandes tradições. Não é contra
ninguém é, simplesmente, a nosso favor. E, caros concidadãos, acreditem
que os estrangeiros não têm pejo algum em comemorarem o que muito bem
entendem sem se preocuparem minimamente connosco. E se, por acaso,
alguém não gostar, paciência, é o preço – se algum -, que temos de pagar
por sermos livres e independentes.
Amigos de Santo Aleixo:
Estive
a ler a vossa História que remonta ao ano de 1542. Quero, como
português, neste inicio do século XXI, saudar-vos e aos vossos
antepassados, sobretudo aqueles que se cobriram de glória para manterem a
vossa e nossa terra, em mãos portuguesas, em 1641, 1644 e 1704. Caso
assim não tivesse ocorrido, ainda hoje estariam, porventura, cativos
como está, para nossa vergonha e opróbrio, a vila de Olivença e o seu
termo.
Sempre
o nosso país passou por vicissitudes e tivemos sempre que viver com a
espada numa mão, o arado na outra e um crucifixo ao pescoço.
Poderão pensar que os dias de hoje são diferentes, mas a essência das coisas mantêm-se-mo muda. Gostaria que meditassem nisto.
A
Independência de Portugal passa pela independência de cada um de nós:
independência económica, financeira, cultural, psicológica, etc.,
conhecimento das coisas e da vidasse carácter para nos afirmarmos e
mantermos. Em simultâneo teremos que reter e desenvolver a capacidade
para nos organizarmos e trabalhar, tanto em família como em sociedade,
mantendo os laços e objectivos comuns, que nos unem como Nação. Só assim
não nos diluiremos um dia, numa qualquer organização internacional onde
nos queiram enredar.
Por
isso, se quisermos compreender a catástrofe iniciada com a entrada do
Duque de Alba em Lisboa e finalizada nas Cortes de Tomar de 1581 (embora
a Ilha Terceira só se tenha rendido em 1583), teremos que
responsabilizar, em primeiro lugar a nós próprios, pois foi a nossa
incúria, ignorância e cupidez, os principais factores que nos
agrilhoaram 60 longos anos. Não foram 60 dias.
Portugueses de Santo Aleixo:
Não
é hoje Filipe I que está sentado no trono em Madrid. Mas atentemos que
se ao longo das sucessivas gerações de portugueses foi passando o ideal
da independência (embora os iberistas se continuem a manifestar e até já
chegaram, aparentemente, ao Governo!), é natural esperar-se que na
descendência Castelhana não tenha esmorecido o desejo de acrescentar
mais uma província, ou autonomia à Espanha.
Lembro-vos a célebre frase de José de Carvajal y Lencastre, ministro de Estado ao tempo do Rei Fernando IV, de Espanha: "A
perda de Portugal foi de puro sangue expor isso, o ministro espanhol
que não pense constantemente na reunião, ou não obedece à lei ou não
sabe do seu ofício"
Elucidativo
é, também, o que o ministro dos negócios estrangeiros espanhol Fernando
Moran, afirmou logo na primeira cimeira Luso-Espanhola – a que,
inexplicavelmente, os governantes portugueses permitem que se chame
“Ibérica” -, ocorrida a seguir ao 25 de Abril de 1974,e cito: "A
reconversão histórica de Portugal passa pela continentalidade e, sem
dúvida, pela Europa, salvo se, como fez desde Aljubarrota aos Tratados
de Windsor, procurar converter-se na base de desembarque de uma potência
ultramarina e salvo se enfeude aos EUA e à NATO”.
Caros concidadãos:
Até
aos nossos dias pesou, sobretudo, sobre nós a ameaça militar e
diplomática. Os tempos mudaram e essa ameaça passou para terceiro plano.
A ameaça agora é global e vai do futebol às finanças; da agricultura ao
turismo e às pescas; da cultura ao comércio. E as defesas com que
contávamos, a fronteira, acessos, leis nacionais, apoios externos, etc.
estão hoje diluídos ou, simplesmente, desapareceram.
E
se, em 1640, interessava mais internacionalmente, a existência de dois
ou mais estados na Península Ibérica, esse interesse diminuiu
substancialmente ou desapareceu nos dias que correm. Aliás, tudo se faz
para confundir a opinião pública no sentido de considerar a Península ou
a “Ibéria”, como um todo político, quando ela apenas representa uma
realidade geográfica!
A
ameaça que paira sobre nós não é fictícia, e é hoje muito mais perigosa
porque é mais dissimulada, embora não prescinda igualmente de quintas
colunas e ingénuos úteis.
Por isso, a muitos, é difícil aperceberem-se do que se passa e acreditarem nos perigos que o futuro nos possa reservar.
Lamentavelmente
a comunicação social de que somos servidos e onde, aliás, as empresas
espanholas não param de investir, liga muito pouco a eventos como este.
Prefere os “fait divers”, os assuntos menores, as tricas dos
senhores do futebol, os amores e desamores dos personagens das novelas,
etc. O “negócio” em que tudo isto isto se transformou, não parece
compatível com o conhecimento e a cultura...
Meus caros concidadãos deste cantinho grande de Portugal:
Nós
não podemos ter dúvidas ou ser ingénuos: a independência e a soberania,
são os bens mais preciosos que temos a seguir à vida. Elas
conquistam-se e defendem-se. Não se discutem nem referendam! Nem, tão
pouco, carecem de ser aferidas em sondagens tolas, que escondem
desígnios ínvios ou apenas expectativas de maiores tiragens...
A
existência de Portugal como individualidade politica e identidade
cultural própria – e não poderá haver uma sem a outra -, sempre exigiu
um preço muito elevado em vidas, em haveres, em sacrifícios, em
trabalhos e, até, em sujeições e afrontas.
Este preço vai continuar a ser cobrado.
A
questão que se põe é esta: teremos nós a estamina e o querer para nos
mantermos neste desiderato? Teremos nós a sageza e a coragem de
adequarmos a organização política do Estado às necessidades de cada
momento e sabermos escolher a liderança mais capaz de nos guiar no nosso
destino de portugueses? É este o desafio que deixo ao vosso pensamento.
É mister concluir.
Na
certeza de que, em Madrid, os ministros obedecem à lei e sabem do seu
ofício, torna-se necessário lembrarmo-nos e lembrar-lhes o exemplo de
Frei Heitor Pinto, patriota sem mácula e que, por isso, morreu
miseravelmente numa masmorra, em Madrid, e que afirmou: "El Rei Filipe bem poderá meter-me em Castela, mas Castela em mim, é impossível".
Comemorar
o 1º de Dezembro é uma reafirmação do nosso querer colectivo. Deve
fazer parte da cultura nacional até se tornar um acto reflexo.
Hoje
é, pois, dia de recordar varões insignes desta terra, como Martim
Carrasco Pimenta, Aleixo Carrasco. Lopo Mendes Sancas, João Mendes
Sancas, Lopo Caeiro Sancas, Pedro Bacias, Frei Pedro, o Prior Pedro
Carrasco e muitos outros e outras, que se destacaram nas guerras da
Aclamação e que fizeram jus às palavras do cronista António Alvares:
“E
os de Santo Aleixo responderam que não desamparariam o lugar, porque
lhes não parecia honra do Reino, antes se ficavam aparelhando para o
defender e ficar, se fosse necessário por serviço do seu Rei, sepultados
entre as ruínas de suas casas, porque, com isto, quando perdessem as
vidas salvariam as honras, que mais estimavam”;
“e só em não perder a honra reparavam”;
“E
como Lopo Mendes quisesse levantar bandeira branca e pedir quartel, as
mulheres que estavam dentro no reduto, que em outras partes costumam ser
ocasião de se entregarem praças, lho não quiseram consentir e, pegando
na bandeira, lha fizeram abaixar”;
“E quiseram mais morrer livres e honrados que viver cativos e abatidos”.
O meu bem-haja à população de Santo Aleixo da Restauração, o qual só pode ser ultrapassado por um grande VIVA PORTUGAL!
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