(Artigo publicado no n.º 6 do Correio Real, editado pela Real Associação de Lisboa)
A democracia é, como se costuma dizer, o pior regime exceptuando
todos os outros. É naturalmente melhor do que qualquer regime
oligárquico, tirânico ou autoritário. Na sua acepção ideal, tem como
grandes virtudes a liberdade de expressão, a aspiração à difusão de
oportunidades e igualdade no acesso à educação, permitindo ainda aos
indivíduos e à sociedade civil ter um papel determinante na condução da
política e da vida pública, ao passo que o aparelho estatal assenta
teoricamente numa separação de poderes e num sistema de checks and balances como
forma de evitar que exista qualquer poder incontrolado, porque como
ensinava Karl Popper, o importante em democracia não é saber quem manda
mas como controlar o poder de quem manda.
Porém, a democracia tem o condão de poder degenerar, tal como tem
vindo a acontecer em Portugal, numa ditadura da maioria (a mais das
vezes medíocre, bastando olhar para os imensos exemplos de políticos
portugueses), e num regime tendencialmente oligárquico – confirmando a
Lei de Ferro da Oligarquia formulada por Robert Michels – subjugado por
interesses mais ou menos desconhecidos – as coligações de interesses
organizados que Friedrich A. Hayek apontava como um dos factores
responsáveis pela perversão da democracia.
O regime actual padece de graves falhas que ao nível político estão
cada vez mais visíveis, funcionando cada vez pior. Desde logo, a
arquitectura do aparelho estatal, com um regime híbrido e com poderes
muito pouco separados, contando com um Presidente da República com
poucos poderes, um Primeiro-Ministro que é sempre um potencial ditador
se tiver uma maioria absoluta no parlamento, um parlamento com deputados
completamente reféns dos partidos pelos quais são eleitos e que mais
não é do que a casa não da democracia mas da falta de sentido de estado e
ausência de dedicação à causa pública, sem falar no cada vez mais
kafkiano sistema de justiça.
Os partidos políticos, por seu lado, tornaram-se reféns das
coligações de interesses organizados com as quais os políticos são
forçados a negociar e das quais depende em grande medida o seu apoio e
sustentação política, ocorrendo, na realidade, uma distorção do que deve
ser o interesse público, na medida em que os partidos não estão unidos
por verdadeiros princípios políticos e sujeitam-se aos interesses dos
grupos de pressão que são efectivamente capazes de se organizar a ponto
de preponderarem sobre outros que não se conseguem organizar de forma
tão eficaz. Isto distorce a alocação de recursos, que é feita pelo poder
político sem quaisquer referências a princípios de justiça, igualdade
ou eficiência, consubstanciando o que José Adelino Maltez costuma
referir como uma economia privada sem economia de mercado.
A virtude da democracia é refrear os ímpetos autoritários e
ditatoriais, aceitando e defendendo o conflito e institucionalizando
regras para este. A negociação e o compromisso têm de ser constantes em
qualquer democracia saudável. Em Portugal, contudo, os políticos
preferem não ter freios ao poder, impor as suas opiniões e decisões pela
força da soberania popular expressa nos actos eleitorais e governar
como se fossem ditadores – tudo em nome da estabilidade e da
governabilidade, como se fosse possível eliminar a instabilidade e o
conflito inerentes à democracia.
Temos assim um ambiente político exasperante, em que a política é
encarada como o futebol, com clubes e as suas respectivas claques
compostas por elementos que, na sua esmagadora maioria, se preocupam
essencialmente com a baixa política intriguista e interesses que pouco
ou nada têm a ver com a causa pública. Falta-nos uma cultura de serviço,
que nos permita transcender-nos no que à governação diz respeito,
fazendo cumprir Portugal através da prossecução de uma política assente
no respeito por todos os portugueses, e não apenas por interesses que
distorcem o funcionamento da democracia, colocando-a em causa. Não
podendo enveredar por uma nova campanha de Descobrimentos, tendo sido a
religião arredada do espaço público em virtude do jacobinismo
republicano que grassa no país desde a I República, há apenas uma
mudança política que pode revitalizar moralmente o país e contribuir
para uma substancial regeneração do mesmo: a restauração da monarquia.
Só esta permitirá que nos sintamos mais coesos enquanto nação, e que
tenhamos verdadeiramente um espírito de missão na prossecução das nossas
vidas, com a certeza de contribuirmos para algo muito superior a
qualquer um de nós mas, contudo, essencial para as nossas vidas e para o
país.
publicado por Samuel de Paiva Pires em Estado Sentido
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