Suspeito que Cavaco Silva nunca julgou vir a exercer um mandato como
este que lhe saiu na rifa. Porventura julgou que os seus currículo,
idade e queixo empertigado lhe confeririam estatuto suficiente para
gerir a presidência como “habitualmente”. A vida como habitualmente é
coisa finada. Acontece que o seu mandato está armadilhado, não só pelas
contradições da arquitectura do semipresidencialismo tuga, mas por um
estado de emergência que conduzirá o País, de ajustamento em
ajustamento, a um ensurdecedor ambiente pré-revolucionário.
Conceda-se que a prestação de Cavaco não é pior do que a do seu
comovido antecessor, de tão boa imprensa. O Dr. Sampaio é um caso
paradigmático de como uma série de aleatórias coincidências da agenda
política elevam um advogado não particularmente talentoso ao cadeirão de
Belém, atribuindo-lhe o direito a umas indulgentes referências nos
rodapés da História e a uma tela a óleo pendurada nos corredores do
palácio.
Ontem, Cavaco, velha raposa keynesiana, penhorado filho
dos tempos dos fundos sociais e de coesão que o catapultaram, não
resistiu à tentação de se demarcar do amargo destino que nos espera e
dos actores que se vêem obrigados ao trabalho sujo de controlar os danos
deste caótico fim de festa. No fundo, Cavaco também nos vem acenar que
há vida para lá do deficit: um conhecido vício socialista e um vírus
impregnado nos reposteiros de Belém.
Para já, tirou a cabeça do cepo, mas está indelevelmente marcado como déspota de “Versalhes”.
Já
tínhamos vislumbrado os abutres a pairar em volta desta nossa Nau
adornada, e sabemos como os ratos são sempre os primeiros a escapar. De
resto, honradez não é uma qualidade de “direita” ou de “esquerda”, é
simplesmente rara.
João Távora in Diário Digital (21-Out-2011)
publicado por Monarquia Lisboa
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