«Todos
os íntimos do fallecido Príncipe, seus mestres e familiares são
concordes em affirmar que elle era uma excepção, um espírito não vulgar,
de razão sólida e atilada, de imaginação bem organizada, em que se
distinguia ás vezes um leve instincto poético, e de memoria felicíssima,
proverbial nos Braganças; sobretudo, um coração de ouro, de uma nobreza
de sentimentos verdadeiramente encantadora. A natureza dotou-o
juntamente de uma bella organização physica e de todas as prendas
naturaes que o tornavam amável a todos quantos se acercavam d’elle. A
sua intelligencia, se não primava pela vivacidade, pela generalização
intuitiva e rápida, e se portanto não era brilhante, pertencia comtudo a
essa categoria de intelligencias que, sem terem uma espontânea
mobilidade, não deixam por isso de ser mais poderosas e firmes. Era uma
d’essas intelligencias germânicas que lenta mas seguramente approfundam
os conhecimentos; recolhem dentro de si as manifestações do seu trabalho
intellectual; trabalho aturado, exigentíssimo na assimilação rigorosa e
completa de uma doutrina e na ponderação de todos os seus aspectos.
Pertencia emfim a essas intelligencias que buscam de preferência a
exactidão e a propriedade, ávidas da côr local d’uma situação e de
pormenores incisivos d’uma ideia que localizam e quasi retratam na
memoria. (…) Os exercícios physicos de que gostava sobre maneira era a
caça, equitação, jogos de armas e outros, mostrando em todos qualidades
não vulgares. (…) Desde as línguas vivas, historia e litteraturas
clássicas e modernas, até aos ramos scientificos das sciencias
mathematicas, physicas, politicas e philosophicas, o seu estudo era
perfeitamente orientado conforme um plano preconcebido; todos os annos
devia fazer os seus exames como prova de adeantamento. (…) Na sua viagem
a Inglaterra, por occasião da coroação de Eduardo VII, foi tratado com
todos os mimos pela corte inglesa; e o próprio Soberano o recebeu apesar
do seu estado melindroso de saúde; (…) Como prova do seu espírito
observador basta notar que tinha para seu uso um diário que escrevia em
allemão alem do que escreveu na viagem ás colónias. (…) Fallava a
própria língua, o francês, o inglês, o allemão. Era conhecedor das
litteraturas; e como tal, mesmo dentro da portuguesa tinha as suas
predilecções. Estimava em extremo no período moderno, assim o affirma um
seu antigo mestre, distinctissimo official do exercito [Oliveira Ramos –
Illustração Portuguesa, 19 de Março de 1908], “estima em
extremo três escriptores que lhe açambarcavam quasi por completo a
admiração: João de Deus, Anthero de Quental e o Eça de Queiroz de – A
cidade e as serras – o Eça que elle conhecia e que era o melhor do Eça,
quando o analista começa a enternecer-se e o ironista a crer”. (…) lia
com grande enthusiamo, no original alemão, a obra capital de Schmoller, o
eminente economista austríaco e a obra de Chamberlain, uma obra
philosophica da cultura humana, ambas de larga envergadura. (…) Na
philosophia meditava a serio os grandes problemas, fazendo-lhe especial
impressão o da immortalidade da alma. Attrahiam-no sobre maneira as
sciencias, notavelmente a Chimica e a Physica, sabendo e conhecendo bem
tudo o que se refere à electricidade. Pela mechanica sentia um encanto
irresistível. Desde pequenino curiosamente indagava as marcas das
espingardas, o modo como trabalhavam. De 4 annos era admirador e
frequentador assíduo de uma forja existente na quinta do Paço de Belem,
onde passava horas em doce enlevo a ver trabalhar o official.
Desenhava-se já então o futuro automobilista; pois o Principe conhecia a
fundo a pratica e a technica minuciosa do automobilismo. Para o estudo
de assumptos militares tinha accentuada inclinação. Durante três annos
estudou com excellente resultado topographia, balística, táctica das
diferentes armas, linhas de operações, planos de campanha. (…) quando
aquelle distinctissimo official (Augusto Paes) voltou da viagem de
instrucção que fez com Sua Alteza e com os officiaes do Estado Maior na
Beira, de 2 a 10 de Junho de 1907, não de cansava de louvar Sua Alteza
que tinha sido exemplar de officciaes trabalhadores, activos; (…) Mas
para não faltar nada no privilegiado complexo das qualidades
intellectuaes do nosso Principe, vinha sobredourá-las a luz de um
talento artístico. (…) “Era um photographo amador distinctissimo;
tinha-se dedicado, diz-nos um grande admirador de Sua Alteza [Capitão
Correia Santos – Brasil-Portugal, 16 de Fevereiro de 1908] ao
estudo para obter clichés contra a luz, com effeitos de poentes
lindíssimos, como talvez não haja entre nós quem possua uma collecção
tão original.” (…) Sua Augusta Mae (…) incutindo-lhe por sua própria
influencia e exemplo o espírito religioso, o espírito mais completo da
moralidade, o espírito de disciplina, o espírito de delicadeza e
bondade, qualidade tão fundamental no carácter do Principe. (…)
Consequencia d’esta delicadeza de sentimentos religiosos se pode
considerar a sua acrisolada piedade filial. Amava, venerava, quasi
adorava seus Paes. Tinha profundíssimo sentimento de respeito e amor por
seu augusto Pae. (…) De seu augusto irmão era amicíssimo. Entre os dois
eram frequentes esses actos de delicadeza do coração, manifestações
encantadoras de amor fraterno. (…) Para com os mesmos inferiores, para
com os seus criados era a mesma bondade; não lhe faziam o mínimo serviço
sem receberem logo um muito obrigado. Os mesmos sentimentos
transpareciam no seu trato com toda a classe de pessoas, com os
humildes, com as crianças; dava tudo: as suas obras de caridade, ás
escondidas, em favor dos pobrezinhos eram muitas, constantes.»
Pequito Rebello, Elogio Academico de Sua Alteza Real D. Luiz Filippe, Lisboa, 1908
Pequito Rebello, Elogio Academico de Sua Alteza Real D. Luiz Filippe, Lisboa, 1908
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