Dom
Duarte serviu o chá, num bule japonês, oferta de um mestre do chá. O
sabor adocicado das ervas não merece açúcar, assegurou. Depois
recostou-se na cadeira. A sala da fundação Dom Manuel é escura, como
imaginamos os castelos, e o dia negro não ajuda. Nas paredes, pinturas a
óleo e resquícios de outro regime. Tinha estado ao telefone para Timor,
na semana passada pediu a nacionalidade timorense. A brasileira pode
ser a seguinte, "quem sabe", diz. Para já, o país que será de Dilma
deverá dar uma ajuda às contas nacionais.
Defendeu que Portugal deve pedir ajuda ao Brasil, para evitar a entrada do FMI no país? - Na
véspera do dia 1 de Dezembro (Dia da Restauração da Independência), um
ministro do futuro governo de Dilma Rousseff - que também é ministro do
actual governo de Lula da Silva - telefonou-me e manifestou o interesse
do futuro governo brasileiro para apoiar Portugal na questão da dívida
externa em melhores condições que o Fundo Monetário Internacional (FMI)
e, eventualmente, em melhores condições até que a União Europeia. E
gostariam de abrir essa negociação com Portugal logo que Dilma assumisse
o governo brasileiro. Aliás, julgo que já houve contactos entre o
governo português e o de Lula da Silva durante a Cimeira Ibero-Americana
que decorreu na Argentina.
Qual foi o ministro de Lula da Silva que o contactou? - Preferia não revelar o nome.
Mas revelou essa conversa ao governo português? - Sim,
claro. E agradeceram. Transmiti, aliás, ao ministro dos Negócios
Estrangeiros, Luís Amado, porque me pareceu que é a pessoa mais indicada
e é a pessoa do governo com quem tenho melhores relações.
É apontado como remodelável... - Espero que não, porque é um dos ministros mais competentes e com maior aceitação internacional.
O
contacto do ministro brasileiro fez com que no discurso de dia 1 de
Dezembro falasse de uma confederação dos países lusófonos? - O
telefonema surge na sequência da conversa que tive em Brasília com
algumas pessoas do governo e em que manifestei que há em Portugal
interesse numa futura confederação de Estados lusófonos. Isto quereria
dizer que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) iria
evoluir para uma confederação de Estados lusófonos. A confederação não é
só uma aliança de Estados, é o começo, de facto, de um Estado. A
Commonwealth, que a Inglaterra preside, não é uma confederação, é menos
que uma confederação. E a Commonwealth nunca impediu a Inglaterra de
pertencer à União Europeia, pelo contrário.
Disse ainda que Portugal é um país humilhado. De quem é a culpa? A
culpa é de todos nós, porque temos um país que, desde que aderiu ao
euro, começou a gastar como os alemães e a produzir como europeus do Sul
da Europa. Claro que se saíssemos do euro haveria inconvenientes
graves, mas por outro lado podíamos passar a ter competitividade
económica maior, produzir melhor e mais, exportar mais e o nosso turismo
ficava mais competitivo. A desvantagem é que a dívida externa seria
mais difícil de pagar. Se entrarmos para uma confederação lusófona, as
economias portuguesa, angolana e brasileira poderiam ser mais bem
coordenadas e haveria sinergias que seriam certamente benéficas para
Portugal.
Pedir dinheiro ao Brasil é menos humilhante do que pedir à Alemanha? - Se
resolvermos o problema com o Brasil estamos em família, a família
lusófona. Por outro lado, só se faria se as condições fossem melhores. O
que é humilhante, no caso do FMI, é que o FMI impõe condições e
obrigações, e teremos de nos governar de acordo com as regras do FMI.
É público que pediu a nacionalidade timorense. O
país com o qual tenho as relações mais íntimas e para cuja liberdade
dei uma grande contribuição foi Timor. Espero que depois das minhas
conversas com o Dr. Ramos-Horta e com Xanana Gusmão seja uma
possibilidade. É um gesto de simpatia e de amizade para com Timor. O
problema neste momento ainda é um problema legal, como não sou residente
lá. Aliás, julgo que poderia pedir a nacionalidade brasileira, visto
que a minha mãe é brasileira. Quem sabe...
Fica bem a um Rei ter várias nacionalidades... - A Rainha de Inglaterra tem dúzias de nacionalidades. Tem a nacionalidade de todos os países da Commonwealth. A primeira visita ao país deu-se um pouco antes do 25 de Abril.
Fui
visitar Timor em 1974, onde tinha na altura o meu camarada do Instituto
de Agronomia - o engenheiro Mário Carrascalão. Comecei a ter problemas
com a DGS, antiga PIDE, e os timorenses foram intimidados para não virem
falar comigo. Quando isso aconteceu, o bispo de Timor da altura
convidou-me para ficar hospedado na sua residência. As pessoas faziam de
conta que iam visitar o bispo para me visitarem a mim. que estava lá
hospedado.
O 25 de Abril deu-se por essa altura? - Dali
fui para o Vietname e estava em Saigão quando o presidente do
parlamento vietnamita me ligou a contar o que tinha acontecido.
Como reagiu à notícia? - Fiquei
muito feliz por achar que o general Spínola iria resolver os problemas
nacionais do ultramar e da diplomacia em Portugal. E por isso, mandei um
telegrama de apoio à Junta de Salvação Nacional manifestando o meu
apoio.
Mas foi Salazar que permitiu que a família do Dom Duarte voltasse a Portugal. - Houve
votações no parlamento contra o exílio, que foi considerado ilegítimo. O
meu pai queria vir logo para Portugal, mas o governo na altura disse
que ainda não era conveniente. De maneira que eu voltei mais cedo e
fiquei a estudar em casa da minha tia Filipa em Serpins, ali na Lousã,
até que a família voltou toda nos anos 50. Mas as propriedades não foram
devolvidas à família, por isso ficámos a viver numa casa emprestada, em
Coimbrões (Gaia).
Mas - utilizando uma expressão que está na moda - a família do Dom Duarte estava "integrada" no antigo regime? - O
meu pai nunca chegou a conhecer o presidente do governo. Quem tinha
mais relações com Salazar era a minha tia Filipa. Eu visitei Salazar
três vezes. Achei-o um homem absolutamente notável, muito interessante,
simpático. Entretanto, à medida que fui amadurecendo, fui percebendo que
a política do regime não tinha solução e encorajei a formação do
movimento eleitoral monárquico, que foi o embrião do que mais tarde foi o
Partido Popular Monárquico.
As pessoas têm curiosidade de saber do que é que vive. - Tenho
um nível de vida discreto. A minha mãe herdou no Brasil parte da nossa
sociedade familiar. No Brasil, o governo republicano não roubou a
família. Somos proprietários, entre outras coisas, de todo o terreno
onde está construída a cidade de Petrópolis e cada pessoa que tenha casa
em Petrópolis, quando a vende, tem de pagar um imposto à sociedade
familiar. Por outro lado, em Portugal temos uns prédios com rendas muito
antigas.
A sua inquilina mais velha, a Dona Maria Luísa, ainda é viva? - Sim,
tem 114 anos. É a minha inquilina mais engraçada. Neste momento, ela
devolveu o apartamento. Pago-lhe parte das despesas do lar onde está.
Já tem cartão do cidadão? - Tenho o Bilhete de Identidade, enquanto não for obrigado não mudo.
E no BI, está escrito o nome completo: Duarte Pio João Miguel Gabriel Rafael? - Não, só tenho Dom Duarte Pio de Bragança. No registo de baptismo ficou o nome completo, mas só para a dimensão espiritual.
A Rainha Dona Amélia foi sua madrinha e o Papa Pio XII o seu padrinho... - A
Rainha Dona Amélia era muito amiga da família. O Rei Dom Manuel
reconheceu o meu pai como seu sucessor político e foi padrinho de uma
tia minha, a minha tia Maria Adelaide que está também a fazer 100 anos.
Foi resistente do nazismo e presa pelos alemães na Áustria porque
participava na resistência austríaca contra o domínio alemão, ajudando
os refugiados a fugirem para a Suíça. É a última neta viva do rei Dom
Miguel. Neta mesmo, não é bisneta. Os outros todos já morreram.
Tem o brevê de piloto. Ainda pilota? - Pilotei
um helicóptero em Beja há pouco tempo. Quando o meu antigo instrutor
era vivo, voei com ele várias vezes, nomeadamente quando estava em
serviço de incêndios.
E a agricultura? - O
meu irmão Dom Miguel é que se ocupa da quinta. Produz lá vinho e
frutas, mas com grandes problemas económicos. Os agricultores
estrangeiros recebem mais subsídios que os portugueses. Nós não
recebemos subsídios praticamente nenhuns. Eu sou horticultor. Em Sintra,
vou dando uma mão nas nossas hortas. Do que gosto mais são as nossas
framboesas, são das melhores que há. Temos legumes frescos, galinhas e
patos. As galinhas e os patos são óptimos para reciclar os restos de
comida. Salazar criava galinhas em São Bento. O nosso primeiro-ministro
podia começar também a fazer o mesmo.
Acha que vamos ter eleições legislativas no próximo ano? - Não
faço ideia. Gostaria de ver um governo de unidade nacional. Creio que o
candidato Fernando Nobre também propôs isso. As decisões duras que vão
ter de ser tomadas seriam mais fáceis se houvesse um consenso e uma
responsabilização colectiva pelo menos dos principais partidos. Caso
contrário, qualquer partido que esteja no poder vai ter medo de
comprometer a sua carreira política, tomando decisões duras. Há decisões
práticas que vão ter de ser tomadas, diminuição do número de feriados
ou pelo menos juntá-los ao fim-de-semana, por exemplo.
Está preparado para a austeridade? - Vamos
ter de aprender a viver bem, com felicidade, com menos. E para isto é
muito importante espírito de caridade. Faz-se caridade por amor às
pessoas, com pessoas com quem não temos ligação nenhuma. Temos de nos
organizar para não haver pessoas a passar fome, para não haver pessoas
na rua e na miséria. O Estado não consegue resolver os problemas, gasta
muito dinheiro com pessoas que não precisam ou que não querem trabalhar e
temos muitas pessoas que não são ajudadas.
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